Por uma lição de casa
A seguir, publico uma das histórias contadas por Aureliano Biancarelli no livro Assassinato de Mulheres em Pernambuco que será autografado hoje, a partir das 18h30, na livraria Cultura do Conjunto Nacional. De tão dura que é a realidade parece ficção.
A universitária e técnica de enfermagem Kety Simone dos Santos Silva, 31 anos, foi assassinada com três tiros no portão de sua casa no início da noite de 21 de abril de 2006. Era sexta-feira, feriado de Tiradentes, e Kety estava saindo com o namorado para o culto na Igreja Batista do bairro. O assassino puxou-a pelo braço e acertou o primeiro tiro no rosto. O segundo atingiu o peito e o terceiro, a cabeça, quando já estava caída.
O assassino confesso é seu ex-sogro Adalberto Pereira de Lima, 55 anos, ex-policial civil afastado por extorsão e que prestava serviços à Guarda Municipal de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife.
Adalberto tinha ido à casa de Kety encontrar o neto, de nove anos, com quem pretendia passar o feriado e o final de semana. A mãe não autorizou a saída do menino, alegando que estava de castigo por não fazer as lições de casa da escola. Adalberto passou o dia rondando a casa, carregando uma arma, até que Kety saiu pelo portão e ele a matou.
Na delegacia, e nas vezes seguintes em que foi ouvido, Adalberto repetiu que matou Kety porque amava demais o neto e só buscava o seu bem.
“Matei porque não suportava ver a forma como a mãe estava educando o menino.” Policiais de profissão, avô e pai queriam o mesmo para o menino. A mãe desejava que o filho estudasse e fizesse faculdade. De um lado, uma família de mulheres: Kety, a mãe, a irmã e a tia. De outro, avô e pai. A disputa foi resolvida pelo avô, com três tiros.
O assassinato foi presenciado pelo sobrinho de Kety, de 11 anos. Na sala, ao ouvir os tiros, o filho de Kety e neto do assassino tapou os ouvidos e escondeu-se num canto.
Desvios da Justiça
Enquanto Kety era levada ao hospital, o ex-marido – o policial militar Adriano Pereira de Lima – passou pela casa e levou o menino. Cinco dias depois telefonou para a mãe de Kety informando que a guarda definitiva já estava com ele. Ela, com quem o menino viveu desde bebê, só poderia vê-lo a cada 15 dias. “Num único dia, perdi minha filha e meu neto”, diz a avó, a auxiliar de enfermagem Hosana Olindina dos Santos, 50 anos.
Com o pai quase sempre ausente, o menino passará a viver com o avô assim que ganhar o regime de semiliberdade. “No final das contas, o assassino vai receber o que ele mais queria, ter o neto para ele”, diz o bacharel em Direito Wilson Barros de Araújo Júnior, 45 anos, quatro filhos, que advoga em nome da família de Kety.
Por ter a guarda da criança, a pensão a que a família tem direito pelo emprego de Kety em dois hospitais está ficando com o ex-marido. “Com esse dinheiro, ele está pagando as regalias do pai no presídio”, diz Wilson. “É um caso revoltante.”
Kety foi assassinada no portão da casa onde morava com a mãe, no Ibura, um dos bairros mais violentos do Recife, localizado na zona oeste. Sua morte ainda revolta os moradores e familiares, que saíram às ruas em passeata, vestindo camisetas com o rosto de Kety. Desde que foi morta, amigos, vizinhos e a família participam da Vigília pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, caminhada que o Fórum de Mulheres de Pernambuco realiza a cada mês lembrando as mulheres mortas.
O assassinato de Kety traz todos os componentes embutidos em muitas das violências contra as mulheres: a intolerância de gênero, o sentimento de impunidade, o poder que a arma confere, o autoritarismo e a violência “ensinados” e aceitos no meio policial, o sentimento de posse e poder sobre a mulher cultivado entre os homens. E os desvios da Justiça por aqueles que deveriam praticá-la.
Vila das Aeromoças
Kety Simone e Adriano Pereira de Lima se casaram cerca de nove anos atrás e viveram uma relação conturbada e violenta por quase dois anos.“Ela se separou num dia em que apanhou muito”, conta a mãe de Kety. “O menino tinha pouco mais de um ano.”
Kety ficou com a guarda do filho, o pai raramente o visitava. “Era o avô que vinha buscar o menino nas saídas de final de semana.” Naquela sexta-feira, Adalberto ligou dizendo que passaria para pegar o menino e Kety o informou que o filho estava de castigo e que ficaria assim até o final do feriado. “Logo em seguida ele chegou, furioso, pediu de volta os presentes que tinha dado ao neto, um walkie-talkie, um CD, um videogame e um celular. O menino foi entregar chorando.”
A casa da mãe de Kety fica na rua Antonio Gonçalves da Cruz, na Unidade Residencial 5 (UR) do Ibura, próximo ao bairro Sítio Zumbi e da Vila das Aeromoças, quase na divisa com Jaboatão dos Guararapes. A casa branca tem uma pequena varanda e um muro chapiscado de cimento com portão cinza. “Quando Kety saiu com o namorado para ir
ao culto, umas sete da noite, Adalberto abordou-a bem próximo da casa”, diz a mãe. Ela chegou a pedir que o avô conversasse com o menino sobre as lições da escola que não vinha fazendo. Quando ela entrou para chamar o filho, ele deu o primeiro tiro. Ela caiu no portão, a cabeça tombada no lado da calçada.”
Kety foi levada no carro do namorado ao Hospital Otávio de Freitas, no bairro de Tejipió, onde ela trabalhava como técnica em enfermagem, mas morreu no caminho.
1 Comments:
sinto muita saldade da minha amiga kety simone,ela era uma pessoa boa e sincera com os amigos..claudomiro
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