Uma democracia comprada
Uma pesquisa realizada pelo Ibope com 2002 pessoas em 142 municípios, contratada pela ONG Transparência Brasil e pela União Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controlo (Unacon), aponta que o número de pessoas que disseram ter sido alvo de tentativa de compra de votos subiu de 3% em 2002 para 8% em 2006. Ou seja, seriam 8,3 milhões de pessoas que foram aliciadas no último pleito.
Se os números assustam, caro leitor, o buraco seria ainda mais embaixo se esta pesquisa tivesse sido realizada em eleições municipais. Leve em consideração que 2002 e 2006 foram anos de eleições presidências e estaduais. Não houve disputa para cargos de prefeitos e vereadores, que, sem medo de errar, são aqueles onde a compra de votos chega às raias do absurdo.
Conheço muitas “tecnologias” de compra de votos, algumas espantosamente eficientes, que têm sido usadas com enorme eficiência pelo país afora. E que por serem “eficientes” têm conquistado cada vez mais políticos adeptos. Infelizmente a gente só fica sabendo dessas coisas depois que elas já deram seus frutos.
Aquele sistema de compra de votos do “te dou um pé do chinelo hoje e outro depois, se me eleger” já era. A coisa agora é mais séria.
Uma das histórias que ouvi e que teria levado a eleger uma meia dúzia de vereadores numa cidade paulista, dá conta de que eles realizam uma festa em local fechado nas eleições e “convidam” aqueles que participariam do esquema. A “festa” começa às 7 horas da manhã, antes da eleição. E termina depois, às 18h.
Líderes locais vão com seus “afilhados” que entregam os títulos ao “administrador” da malandragem. E aí se constrói uma rede de “substitutos” que vão votar em nome daquele que está “preso” na festa e que vai ganhar a paga pela contribuição eleitoral que está dando ao candidato.
Cada eleitor ganhou R$ 50,00 na eleição de 2004 para participar deste esquema. Os “padrinhos” destes eleitores ganharam R$ 25,00 para cada indicado. Ou seja, com R$ 75.000,00 mais o dinheiro da “festa” o candidato fez 1 mil votos garantidíssimos. Em cidades de porte pequeno e médio 1 mil votos elegem um vereador.
Em eleições para prefeitos, leitor, não funciona só o esquema da compra de votos, mas também o esquema da compra de abstenção. Em eleições muito disputadas, o candidato a prefeito compra a abstenção de um determinado bairro onde seu adversário é forte de maneira muito simples. Contrata “lideranças” locais que passam nas casas dos moradores oferecendo algum dinheiro pela “compra” do título até o fim da eleição. E o compromisso do eleitor de que não vai à urna.
Numa recente eleição, esse esquema garantiu que numa região de uma cidade paulista a abstenção aumentasse em mais de três vezes do primeiro para o segundo turno.
O eleitor poderia ir votar mesmo sem o título, com outro documento. Mas não vai porque deu sua palavra. E ao mesmo tempo por que, em geral, quem compra seu voto, não é o padre nem o pastor, mas a garotada que tem esquema com o tráfico de drogas.
Aliás, leitor, há uma enorme rede de vereadores no Brasil e de prefeitos que aumentam a cada dia suas relações com os esquemas bandidos que tem o pé nas regiões mais pobres das cidades. Essa é uma alternativa para disputar com candidaturas que contam com a simpatia dos movimentos sociais organizados.
Recentemente conversava com uma deputada federal por Minas Gerais que me disse que não disputaria mais a prefeitura de sua cidade porque o esquema do tráfico local estava cada vez mais forte. E ameaçador.
Por isso que acho bobagem essa discussão meia-boca de reforma política. Ou se faz uma profunda reforma que altere o próprio sistema de representação do país ou só serão trocadas as moscas, como se dizia na época em que militava no movimento estudantil. Claro, vai ter gente dizendo que isso é chavismo, que agora virou o maior palavrão político.
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