A beleza de um Fórum na África e as suas contradições
Foto: Juliana Di Thomazo
Eram pouco mais de 12 horas e do palanque instalado no Parque Uhuru, no centro de Nairobi, o animador do ato perguntava: another world is... E aproximadamente mil pessoas que já haviam chegado em marcha de diferentes pontos da cidade ou ainda que tinham vindo direto de seus hotéis, respondiam…possible.É assim que sempre começam os FSMs, uma marcha e uma concentração num importante espaço da cidade onde os participantes cantam, dançam, mostram suas faixas, iluminam suas bandeiras de lutas. E o animador por diversas vezes pergunta: um outro mundo é? E as pessoas respondem: possível.
Onde os mais jovens se emocionam com o que vêem e os veteranos se emocionam ao reencontrar aqueles que conheceram em outros fóruns e que vêm de vários cantos do mundo.
As fotos que aqui estão reproduzidas não precisam de legendas. Elas contam imageticamente suas histórias e são a demonstração viva de que o altermundismo é um novo conceito vivo a motivar milhares de gentes por todos os pontos do planeta. Mas como o FSM é um processo, ele também tem contradições, como sabiamente disse com seu jeito galante o coordenador do Instituto Paulo Freire, professor Moacir Gadotti, um dos membros do Comitê Executivo Internacional do FSM.
Foto: Juliana Di Thomazo
Ele respondia dessa forma à questão sobre alguns métodos heterodoxos (ou seriam ortodoxos) bastante questionáveis que estão sendo inaugurados no FSM do Quênia.Antes, a beleza da festa
Seria não-jornalístico simplesmente ignorar esses procedimentos questionáveis (ou seriam reprováveis) que estão ocorrendo neste FSM, mas ao mesmo tempo seria injusto a inversão da pauta, tratar primeiro deles e jogar no pé do texto a beleza da festa.
Como é bonito ver um FSM com ampla maioria de negros desfilando suas lutas e formas de comunicação.
Como a marcha saiu de diferentes pontos, ela foi chegando aos poucos ao Parque Uhuru. E um dos primeiros grupos a adentrar ao local foi i do movimento GLBTT daqui. A faixa que traziam, dizia: “contra o patriarcalismo e a homofobia”. Estranho uma palavra de ordem como essa, mesmo para quem vive numa sociedade patriarcalista como a brasileira. Nunca em nenhum outro Fórum, e vários ocorreram no Brasil, este tema foi colocado dessa forma.
Foto: Juliana Di Thomazo
A questão da Aids era a mais presente na camiseta dos manifestantes locais. O que mostra o quão forte é esse tema no atual momento africano.Quando o brasileiro Chico Witacker, o tio do FSM, como ele brinca quando se refere a Oded Gragew como pai, falava, uma passeata de um grupo religioso exibindo em suas bandeiras a frase “África Israel Nineve Church”, irrompe em frente batendo tambores e dançando e é aplaudido por todos. Aliás, essa pareceu uma característica diferenciada e marcante do FSM daqui, muitos dos grupos organizados que participaram da marcha foram organizados por diferentes igrejas locais, com especial distinção para as evangélicas/protestantes, algumas inclusive de cunho pentecostal, que costumam ser mais conservadoras.
O toque estranho
Mas o que deste FSM nos soa tão estranho. Comecemos pelo credenciamento. Para realizá-lo, atenção leitor, é preciso ir a um estande na Celtel, algo como a Vivo ou a Tim do Brasil. A Celtel é a patrocinadora oficial do evento. Isso mesmo, oficial. Ontem, segundo depoimento de outros colegas jornalistas que foram ao show de música queniana para arrecadar fundos para o FSM, o apresentador fazia questão de agradecer ao “nosso patrocinador Celtel por possibilitar um outro mundo possível no Quênia”.
Ao chegar ao estande da Celtel, deve-se comprar o valor de sua inscrição em cartões dessa operadora de celular local. O valor desse cartão é que vai emitir um código, por celular, para que se possa pegar em outro local, aí sim relacionado ao FSM, o crachá que vai dar direito a acessar as atividades.
Foto: Juliana Di Thomazo
No Brasil, em alguns dos Fóruns, a Petrobrás, por exemplo, foi uma das patrocinadoras. Seria como se por conta disso para se inscrever ao FSM o delegado precisasse ir a um Posto Br com seu carro para receber uma gasolina que lhe permitiria participar do evento.Mas não é esse a única contradição desta edição. Os voluntários do FSM Quênia são pagos. Isso mesmo, foram contratados como voluntários.
E por fim, muitos dos ativistas quenianos com quem conversamos não vão participar do evento porque não têm como pagar a taxa de inscrição de 400 schillings (7 dólares). O leitor que leu o texto anterior deve saber que se parece pouco isso é o que faz com que muitas mulheres que têm o vírus HIV no Quênia consigam abrir um pequeno negócio para garantir sua sustentabilidade.
Foto: Juliana Di Thomazo
E um FSM sem o povo da terra, sem a beleza das histórias da experiência de luta da gente mais simples, pode acabar um pouco como a festa de abertura de hoje, sem a mesma força de edições anteriores.Mas um Fórum nunca se conta pelo primeiro dia. Ele é um processo vivo. Com suas contradições e beleza. Quem garante que essa história não possa vir a ser contada de outro jeito amanhã?
Renato Rovai é editor da 
2 Comments:
Eu quero ir pro Quênia! Já não fui pra Mumbai, nem Caracas. Perdi mais essa...
vou voltar aqui pra ler sobre eventos. Pena que é impossível documentar tudo o que acontece num FSM, pq é muita coisa ao mesmo tempo.
Vc sabe que as informações que chegam por aqui são poucas, desencontradas, muitas vezes desarticuladas,quando não distorcidas....
Valeu por mandar outros olhares
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