________

segunda-feira, janeiro 29

Volto segunda


Amigos leitores e leitores amigos, volto segunda, dia 5. O giro africano foi muito prazeroso, mas também cansativo. A revista Fórum de fevereiro vai para a gráfica hoje, com 17 páginas abordando o FSM e o continente africano. Vale a pena reservar a sua com o jornaleiro. Aliás, em primeira mão, anuncio que a capa escolhida pelo leitor na enquete realizada pelo site foi a “A” (imagem ao lado).


sexta-feira, janeiro 26

A questão da água


De tantos temas discutidos neste último FSM um em particular chamou a atenção. Primeiro por ter sido aquele que mais reuniu militantes em torno dos seus debates, mas também porque talvez tenha proporcionado maior interação entre os africanos e os visitantes de outros cantos.

O leitor pode achar exagero, mas o que assina arrisca dizer que o debate sobre a água vai ser o grande tema do fim desta década e vai entrar como a principal luta dos movimentos altermundistas na próxima década. As organizações sociais devem se preparar para ele porque a cada Fórum que passa ganha maior importância e força política.

A sul-africana Virginia Magwaza esteve no FSM para debater essa questão. Ela é da Coalition Against Water Privatization – African Water Network (Coalizaçaão contra a Privatização da Água – Rede Africana da Água). A rede africana da água já envolve quase metade do continente, são 20 países que assinaram sua constituição neste FSM.

A rede definiu cinco pontos como centrais para os próximos anos: a luta contra a privatização da água; assegurar o controle participativo e público da gestão dos recursos hídricos; oposição a todas as formas de sistema pré-pago; assegurar que o direito à água seja inserido nas Constituições de todos os Estados; e, assegurar que o provisionamento de água esteja sob domínio público.

Virginia é moradora do Soweto. Para que o leitor possa entender o que para ela significa lutar pela democratização e justiça social na distribuição de água, ela explica: “hoje, na África do Sul, a água é distribuída pelo sistema pré-pago”. Ou seja, ao invés de pagar a conta no final do mês, o morador precisa comprar uma cota para seu uso. Quando os créditos terminam, o fornecimento é interrompido. Esse sistema foi implantado pela empresa francesa Suez e já começa a se reproduzir em outros países. A mesma empresa também ganhou na justiça o direito de exigir do governo sul-africano o fechamento de todas as fontes públicas de água alegando concorrência desleal.

E os debates em relação a essas questões já geraram ao menos um fruto objetivo (aos que costumam dizer que o Fórum é apenas um evento sem conseqüência, mais um exemplo). Ao mesmo tempo em que se dará o Fórum Mundial da Água (evento das transnacionais do setor que acontecerá em Istambul, Turquia, em junho deste ano) as organizações que discutiram o tema neste FSM vão organizar um Fórum Altermundista convocado pelos movimentos sociais e que pretende colocar em xeque os projetos econômicos e discricionários do setor. Denunciando-os e propondo alternativas.

(Esse post faz parte de uma das matérias sobre o FSM 2007 da edição impressa de fevereiro da revista Fórum)


quinta-feira, janeiro 25

Lula nem reformista

Uma reflexão de Boaventura de Souza Santos durante o FSM que acabou ontem: “Hoje no mundo há processos reformistas que parecem revolucionários, Chávez. Há processos revolucionários que parecem reformistas, movimento Zapatista. E há processos que parecem reformistas e nem reformistas são, Lula”.


Tibúrcio acha que é o momento da implementação das propostas

O jornalista baiano Carlos Tibúrcio é ao menos um dos tios do FSM. Mas nunca o vi reivindicar tal grau de parentesco. Quem reconheceu sua importância de forma pública foi o reconhecido pai do FSM Oded Gragew, em entrevista exclusiva à revista Fórum que está nas bancas. Gragew disse que depois de conversar com Chico Witacker e os franceses Bernard Cassen e Ignacio Ramonet, foi procurar os brasileiros Carlos Tibúrcio e Antonio Martins, outro amigo discreto, para tocar o barco da realização do evento. E ambos se engajaram já na primeira hora.

Hoje, Tibúrcio trabalha na secretaria-geral da presidência da República do Brasil, que tem o mineiro Luiz Dulci, que também estava neste FSM de Nairobi, como ministro.

Tibúrcio sempre defendeu que o FSM fosse um ano em Porto Alegre e outro, se houvesse alguma cidade disposta a realizá-lo, fora do Brasil. Ainda não está convencido de que o evento deve ser bi-anual. “Acho que isso pode vir a ser um retrocesso”.

Numa conversa com este blog, na Casa Brasil, fez a seguinte avaliação do FSM de Nairobi: “Sua realização na África foi uma vitória política, mas depois de sete edições o FSM precisa enfrentar algumas questões”. E a seu ver a questão central é: “O FSM nasceu como um espaço de resistência, e cumpriu de forma ampla esse papel. Depois se tornou um espaço de formulação de propostas. Agora, precisa ser um instrumento de implementação delas”.

Tibúrcio considera que mesmo que tenha de atuar no sentido de que governos abracem propostas surgidas no FSM isso em nenhum momento vai contra a carta de princípios. “Há questões que são consensuais no FSM, em torno delas deve-se buscar parcerias, inclusive com governos, para buscar sua ampla implementação. Fazer com que boas propostas surgidas aqui tornem-se políticas públicas em um número maior de países deve ser um dos trabalho do FSM.”


Brasil fora do Haiti

Entre outras propostas apresentadas na tarde de ontem ao plenário do movimento social pelo representante da CUT Antonio Carlos Spis, que falou em nome do Comitê Latino Americano e Caribenho, estavam: A retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti e que se constitua uma missão de representantes de entidades vinculas aos FSM para ir a Oaxaca (México), debater com o governo local o respeito aos Direitos Humanos.


Brasil fora do Haiti

Entre outras propostas apresentadas na tarde de ontem ao plenário do movimento social pelo representante da CUT Antonio Carlos Spis, que falou em nome do Comitê Latino Americano e Caribenho, estavam: A retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti e que se constitua uma missão de representantes de entidades vinculas aos FSM para ir a Oaxaca (México), debater com o governo local o respeito aos Direitos Humanos.


O que pensa o representante da Clacso

A partir de hoje e até segunda-feira vou enviar uma série de avaliações, principalmente de brasileiros, a respeito do FSM de Nairobi. Rodrigo Nobile, que representava a Clacso no FSM 7, achou que nesta edição questões centrais da política não foram abordadas, mas que por conta de o evento ter se realizado na África ele foi positivo, o que parece ter sido uma avaliação praticamente unânime. “Só espero que se consiga dar maior conseqüência ao fato de ele ter ocorrido aqui e que a partir de agora as relações entre movimentos sociais africanos e de outras partes do mundo se estreitem.”.


quarta-feira, janeiro 24

Amanhã tem maratona, mas de verdade o FSM já terminou

São 19h no Quênia. Faz poucos minutos que terminou a Assembléia dos Movimentos Populares. Mesmo levando em consideração que o encerramento oficial do evento se dá amanhã com a maratona que começa às 7h em Korogocho e tem chegada prevista para umas 10h no Parque Uhuru, no centro da Nairóbi, pode-se dizer que mais uma edição do FSM acaba de virar história.

Muitos movimentos aproveitaram a ocasião para defender agendas de luta. Duas se destacam. Uma praticamente consensual e que deve ser encampada por muitas das organizações aqui presentes é a de realizar no dia 19 de março, data que marca quatro anos da invasão ao Iraque, uma grande manifestação mundial contra a guerra e a ocupação daquele país. Outra foi a idéia defendida por Antonio Carlos Spis, da CUT, que falou em nome do Comitê Latino Americano e Caribenho. Ele defendeu que se organize um encontro com entidades do mundo inteiro na mesma época da reunião do G8, que acontece em junho na Alemanha. Nesta ocasião sairia uma agenda de mobilizações e ações para o resto do ano.

Uma outra data que pode ganhar força a partir do chamado dos latino-americanos que vivem nos EUA e agora da convocação de entidades do movimento rural africano, que pretendem realizar manifestações contra o acordo de livre comércio entre a África e Europa, o EPA, é o dia 1º de maio. Mesmo entidades brasileiras já imaginam fazer algo além das tradicionais mobilizações relacionadas ao universo do trabalho.

E por fim

Com o jogo jogado percebe-se que se tornou quase consenso a avaliação de que, apesar das dificuldades organizacionais, o ganho de se ter conseguido organizar um evento dessa dimensão na África - e num país como o Quênia - é algo que entra para a história da luta popular internacional.

Amanhã, neste blog, postarei algumas das muitas avaliações que reuni nesses dias de labuta no complexo esportivo do Kazarani. Já começo também a preparar o material exclusivo que será publicado na Revista Fórum de fevereiro. Sábado, África do Sul. Domingo, São Paulo.


A luta da água mostra a força da construção de redes

Reprodução
É curioso como, contra todas as evidências positivas, alguns ainda insistem em afirmar que o processo do FSM está fadado a torná-lo apenas um evento sem conseqüência. Além do tema da Aids, que por conta da situação africana tem atraído muita gente, principalmente do Continente, outro que mostra um impressionante crescimento e vitalidade é o debate a respeito da água.

No primeiro FSM em Porto Alegre o italiano Riccardo Petrella era uma voz quase solitária a insistir para que essa fosse uma das preocupações principais do evento. Hoje, entre os mais painéis concorridos, aqui no Quênia, como já havia sido na Índia e em outras edições de Porto Alegre, estão os que debatem o futuro da água no planeta.

Por que isso vem acontecendo? Entre outras coisas porque o FSM enquanto evento foi fundamental para que a rede de movimentos que tem interesse na questão se ampliasse e ganhasse força planetária.

E, para aqueles que acham que temáticas como essa, de caráter não-político geral (pelo menos em seu sentido partidário), não podem ser base de movimentos maiores, a eleição ode Evo Morales na Bolívia, deve muito ao movimento contra a privatização da água em Cochabamba. Em 1999, o então governo local havia decidido entregar a gestão do abastecimento e saneamento à empresa transnacional Bechtel. Em abril de 2000, o povo tomou a cidade e exigiu a saída da empresa do país e a volta do controle da água para as mãos do Estado. Foi ali o primeiro movimento cidadão em que houve aliança da base indígena com o movimento social urbano.

União Européia em debate
Outro debate que também está forte aqui na África e que toca profundamente o futuro continental é o que diz respeito ao acordo de livre comércio entre o mercado comum europeu e a o bloco africano. Os movimentos sociais estão construindo uma aliança inédita neste FSM voltada à luta contra o acordo.

Ontem, líderes de associações de camponeses de praticamente de todo o Continente apresentavam suas preocupações a respeito, principalmente no que diz respeito à impossibilidade, segundo eles, de enfrentar a concorrência européia.

No Oeste Africano, por exemplo, 85% da base de produção agrícola é resultado de pequenas propriedades. Elas têm sido dizimadas com a liberação da importação e isso tem causado enormes dramas sociais para a população local.

Os camponeses estão agendando uma grande manifestação continental para o dia 1º de maio. Nesta data os ativistas latinos dos EUA prometem realizar um protesto ainda maior do que o ocorrido no ano passado, quando surpreenderam o mundo reclamando direitos iguais a trabalho e a benefícios sociais naquele país.

Mesmo com todas as dificuldades operacionais que este FSM apresenta e com algumas questionáveis decisões encaminhadas pelo secretariado da organização local, começa a ficar evidente que ele deve ter um importante papel para que os movimentos sociais locais comecem a atuar conjuntamente. “Estive com muitos líderes sociais africanos nesses dias e eles estavam muito felizes. A maioria não se conhecia e se vê que eles agora parecem ter sentido que têm muito mais possibilidades se atuarem conjuntamente”, afirmou ontem o professor Boaventura de Souza Santos.

Primeiros números
Ontem foram divulgados os primeiros números do FSM, segundo a organização inscreveram-se 46 mil pessoas e os gastos com a estrutura do evento ficaram em 3 milhões de dólares.


terça-feira, janeiro 23

Os terroristas do futuro podem ser os índios, diz Boaventura

O professor Boaventura Sousa Santos está presente no FSM de Nairóbi, onde vem sendo solicitado para compor diferentes mesas. Hoje ele participou de uma a convite do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais Clacso. Na ocasião, discutia-se o cenário político latino-americano.

Neste painel, Boaventura disse que voltava de uma visita ao Peru e lá foi informado de que o país tem 800 indígenas presos por diferentes acusações. E neste contexto disse a seguinte frase de efeito: os indígenas podem vir a ter suas ações criminalizadas a tal ponto que podem vir a ser os terroristas do futuro.

Ao final do painel, aprofundou um pouco mais a frase para este blog: “Tenho uma preocupação muito grande com isso porque eles ocupam territórios onde estão recursos naturais absolutamente estratégicos. E se o capitalismo não mudar e continuar a depender tanto das reservas em termos de minérios, biodiversidade, madeira, petróleo, isso pode vir a acontecer. Essas reservas estão todas em territórios indígenas. Para que se tenha uma idéia, nesses territórios estão 75% da biodiversidade do planeta. Acredito que eles possam vir a ser criminalizados por conta disso”.


segunda-feira, janeiro 22

A tragédia da Aids traz uma nova militância na África

A pandemia da Aids, que está desestruturando o tecido social africano e demolindo a rede familiar de solidariedade, já que invariavelmente não ataca apenas um membro da família, pode também vir a ter um papel articulador de uma nova sociedade civil no continente.
Valter Campanato/ABr

Coalizão de movimentos feministas quenianos fazem manifestação
contra a infecção de HIV na África. No cartaz, elas pedem que a pandemia
se transforme em oportunidade de desenvolvimento.

Neste FSM, a presença dessas diferentes organizações não-governamentais é o que mais chama a atenção. Elas têm como guarda-chuva temático o enfrentamento da Aids, mas têm especificidades variadas. Há as que trabalham fundamentalmente o tema a partir do universo feminino – e são muitas. Outras debatem o tema a partir das responsabilidades dos Estados. Algumas discutem a perversidade de certos aspectos religiosos que acreditam na defesa da monogomia, por exemplo, como única solução para enfrentar o vírus.

As entidades de caráter feminista, tratam a luta do enfrentamento do vírus a partir de um novo contrato entre homens e mulheres. Batem pesado na tradição patriarcalista africana, pedem a resistência feminina ao casamento arranjado, exigem que o Estado proteja as mulheres nos seus direitos humanos, entre eles no combate a violência masculina e ao direito feminino de exigir do parceiro o uso a camisinha.

As organizações que discutem a Aids a partir da ausência de políticas públicas denunciam, por exemplo, que em muitos dos países africanos se gasta muito com campanhas para que as pessoas usem preservativos, mas não há distribuição gratuita, seja porque há desvio de recursos, seja pela pressão de igrejas locais, de diferentes credos, contrárias ao seu uso.

Um dos movimentos que ganharam força neste FSM também está relacionado à questão do enfrentamento da Aids, embora não exclusivamente. A luta é para que todos os países do continente reservem 15% do orçamento público para a área da Saúde.

Mas talvez o componente mais interessante da luta contra a Aids na África seja que ela tem constituído um novo espaço de construção de luta social e política. E os movimentos surgidos nesse processo têm base social real e partem da luta que começa pelo debate a partir do vírus para outros aspectos relacionados a ele.

Se isso parece pouco, leia este outro texto.


Vícios importados

Muitas das organizações não-governamentais africanas têm mais relação com o universo dos financiadores internacionais (agências e fundações européias e norte-americanas) do que com a realidade local.

As dificuldades reais da população local causadas pela pobreza, pela fome e pela Aids atraiu a atenção de muitas ONGs transnacionais, que se instalaram aqui junto de seus modelos. E, consequentemente, de seus vícios.


Foto: Valter Campelo/ABr

Diferente dos estandes de artesanato, os de alimentação foram alugados a
preços muito elevados para o padrão africano, o que garantiu quase
exclusividade ao Hotel Windsor, que cobra 8 dólares (20 reais) por um prato de comida.

Por exemplo: algumas lideranças são contratadas e recebem altos salários para discutir as questões locais, mas passam mais tempo em viagens pelo mundo para tratar desses problemas do que em atuação nas bases.

De algum jeito o FSM do Quênia tem sido importante para revelar ao mundo essas contradições.

O movimento de jovens que questionou, de forma muito correta, os altos preços das inscrições e da alimentação para os quenianos mostra o quanto. A organização queniana do FSM cobrou caro pelos estandes voltados à alimentação, o que provocou um quase-monopólio para o Hotel Windsor, de padrão alto. Um bife com batatas fritas custa quase 8 dólares, próximo a 20 reais. Para os estrangeiros, que já chegaram até aqui, não é tão assustador. Para os quenianos, segundo Martin Ndungu, participante do evento, um verdadeiro assalto.

Em suma, enquanto os estrangeiros e os ongueiros bem-remunerados do movimento social africano comem seus bifes com fritas, os quenianos se viram com o que podem. Mas discutem um outro mundo possível. O que não é pouco.

Como o FSM nunca passa sem deixar marcas, a troca de experiências desses dias entre lutadores locais e estrangeiros pode vir a ser fundamental para modificar a perspectiva da luta local.


domingo, janeiro 21

Ano que vem não tem FSM, serão dois dias de manifestações por todo o mundo

"Se conseguirmos 5 milhões de pessoas na ruas já será um sucesso. Se botarmos 10 milhões, vai ser muito bom. Mas, a meu ver, o objetivo deveria ser ao menos uns 15 milhões nas ruas pra nos dar uma sensação de que expandimos."

Cândido Grzybowski (foto), coordenador executivo do Ibase e membro do Conselho Internacional do FSM, em uma entrevista exclusiva a Fórum faz uma avaliação dos processo organizativo do FSM no Quênia e os caminhos que o movimento deve seguir.


Qual a sua opinião a respeito do que viu até este momento no FSM do Quênia?
Primeiro é necessário fazer uma avaliação política do seu significado. É o primeiro grande evento na África que não acontece em Joanesburgo ou Durban, ambas localizadas na África do Sul, que é onde normalmente ocorrem os eventos no continente. Ou, alternativamente, em Senegal. Nunca se faz fora desse eixo. Já é um feito fazer o FSM no Quênia. É muito simbólico para o continente que o evento não seja na África do Sul, por exemplo. Ela tem um predomínio no continente, detendo mais de 50% do PIB de toda a África e acaba exercendo um sub-imperialismo real. Não foi fácil escolher o Quênia, porque sabíamos que teríamos um problema de logística. E que por sinal estamos enfrentando. Mas o que nos levou a escolher o Quênia foi que eles conseguiram organizar aqui um Fórum Nacional, mostrando que tinham uma sociedade civil capaz de enfrentar o desafio de organizar um Fórum Mundial. E também a mudança de regime, era uma ditadura e eles passam para uma democracia e muitos ativistas criaram entidades e voltaram à militância, o que dava ao movimento algumas características semelhantes à nossa, no Brasil.
No momento em que decidimos pelo Quênia, também levamos em consideração que o governo tinha mais apoio da sociedade civil. Hoje é um governo enfraquecido, com grandes escândalos de corrupção e a relação dele com as entidades ficou mais tensa, o que se revela, por exemplo, no fato de as entidades não terem conseguido o visto livre para os participantes do FSM, no controle para a entrada de imprensa no país, sobretudo para os da área de TV, que tiveram problemas.
Então, há muita tensão no ar, porque o governo aqui está enfraquecido e tem medo. Ou seja, se contava com uma certa facilidade e isso não está acontecendo.

Mas não lhe está surpreendendo alguns detalhes talvez ortodoxos da organização?
Há a questão da pouca experiência na organização de um evento como este. E precisamos levar em consideração que o movimento daqui tem uma cultura de esquerda diferente, de democracia diferente, que não é bem a nossa tradição. Tem o problema da cooperação, é uma cultura muito impositiva. As igrejas também são muito presentes aqui. Muitas das entidades têm vínculos internacionais e se dá uma globalização de sociedade civil da pior maneira possível. Essas entidades formaram uma elite que circula nas Nações Unidas, Banco Mundial, agências de cooperação etc. E eles têm um salário, os salários são muito corrompidos, no sentido de que são elevados, muito altos, e por isso as ONGs aqui sofrem uma crítica muito dura. Isso para nós é difícil de entender. Talvez tenha uma certa separação no Brasil entre as ONGs e os movimentos, talvez tenha, mas no Brasil as ONGs são criações de militância, de gente que se engaja. Isso tem de ser considerado.

Não te parece que o processo de construção do FSM aqui, que leva a ter uma empresa de telefonia celular (Celtel) como patrocinadora oficial, por exemplo, não deveria levar a uma reflexão maior do processo de construção do evento? Do seu problema de financiamento, por exemplo?
Tem um problema de financiamento de um evento assim, ele está se tornando cada vez mais caro. E a gente tem evoluído de uma forma de oferecer tudo, como foi nos primeiros fóruns de Porto Alegre, para outro de auto-financiamento. Os indianos foram os que progrediram mais nisso, eles tiveram apoios que não apareciam, mas que foram fundamentais, como o de trabalho voluntário até na arquitetura do evento. Aqui tudo foi ou está sendo pago, aqui a cooperação corrompe, não no sentido de que se desvia dinheiro, mas ela cria uma cooperação servil e as pessoas para fazerem alguma coisa, cobram. Aqui os voluntários cobram. No Brasil o voluntariado recebia uma ajuda de alimentação, aqui ele recebe um pagamento além dessa ajuda. É o sentido de voluntário que não existe. O apoio da empresa (Celtel) nunca chegou a ser discutido. A gente está sendo pego de surpresa com essa história da empresa. Agora, fui um dos que defendiam completa autonomia de organização para as entidades do Quênia, por que se fosse diferente, acho que não aconteceria o FSM. E se alguém fosse ao Brasil nos dizer como fazer o FSM, nós também não iríamos aceitar.

E em relação, por enquanto, à pequena participação de quenianos, que reclamam do custo da inscrição, como que o senhor vê isso?
Baseado no FSM da Índia, eles criaram uma cobrança diferenciada. Isso é bom e diferente do nosso populismo do FSM no Brasil, onde a gente cobrou 30 reais para todo mundo, independente de que parte do mundo fosse. Isso é sacanagem, sacanagem com o brasileiro, com o pobre índio que esteve lá, ou com quem teve de bancá-lo. Isso gerou um déficit para a gente do Brasil. Aqui eles montaram uma escala de preços em absolutamente tudo, mas acho que erraram no preço a ser cobrado para a população local. Mas até isso é ainda difícil dizer. O preço de 7 dólares está sendo bastante questionado. Também tentaram organizar o acampamento da juventude, que sempre é auto-organizado, e estão cobrando 10 dólares por dia daqueles que o utilizarem, e o acampamento está vazio. Tem coisa que não sabemos a extensão e que só vamos poder saber no percurso ou depois deste FSM.

O senhor considera de fato possível o FSM ser auto-financiado?
É possível encaminhar para um sistema de auto-financiamento. Em Porto Alegre, vamos imaginar não os 150 mil que compareceram no último, mas apenas 100 mil. Tivemos uma custo de 7 milhões de dólares. Se fosse dividido por participante, seriam 70 dólares por pessoa. Se dividido pela desigualdade do mundo, pelas desigualdes das organizações que participam, talvez poderíamos ter saído daquele FSM sem dívida.
Quando eles propuseram os 7 dólares para a população local, a gente ponderou se não era muito. O que nos foi dito é que eles estavam fazendo um movimento local para que as entidades quenianas também conseguissem ajudar no custo do FSM. Eles queriam ter a sensação de também estar contribuindo para a realização do FSM em Nairobi. Também é difícil saber se a reclamação não tem relação política... De qualquer forma, insisto em dizer que esses problemas organizativos são políticos, não acho que são problemas burocráticos.

E para o próximo FSM, quais são as definições até o momento?
Para o ano que vem, em vez de fazer o evento cada vez maior, definimos que vamos tentar estar juntos, em um número muito maior, mas de uma forma diferente. Durante dois dias vamos ter mobilizações pelo mundo, com cada país definindo sua pauta. Mas o pertencimento, a sensação de estar juntos, vai se dar pelo fato de que todas as manifestações vão se dar nos mesmos dias. Isso não vai resolver o problema de ter de se encontrar, mas pode fazer com que os próximos fóruns sejam mais temáticos. Essas manifestações, inspiradas na que aconteceu pela paz (em 15 de fevereiro de 2003, contra a invasão do Iraque), serão um outro tipo de Fórum. Tem uma indicação de que sejam manifestações pela dignidade, pra alguns vai ser a luta contra a privatização da água, pra outras vai ser emprego, migração. Se conseguirmos 5 milhões de pessoas na ruas já será um sucesso, se botarmos 10 milhões vai ser muito bom. Mas a meu ver o objetivo deveria ser ao menos uns 15 milhões nas ruas pra nos dar uma sensação de que expandimos.

E quanto a 2009?
Bem já existem candidaturas, vamos chamar assim. Há gente que defende que seja no Brasil, outros na Europa. Pessoalmente, eu gostaria que fosse para a Ásia profunda ou para o Leste Europeu. Fazer isso na Ásia profunda, quer dizer Filipinas, Malásia ou Indonésia seria muito bom... A meta deve ser chegar à China, onde vive um quarto da população do mundo. Mas sabe lá quando essa aproximação vai ocorrer. Mas se chegarmos à Ásia profunda, continuamos o caminho de expansão. Quantas pessoas tem aqui no Quênia? Não sei. Mas certamente 80% estão pela primeira vez num FSM e estão adorando tudo isso.


Os primeiros movimentos da Casa Brasil

A Casa Brasil, que vem se tornando presença constante nos FSMs, começava hoje pela manhã a ser utilizada como espaço de articulações brazucas aqui em Nairobi, Quênia. Estavam lá dois ministros de Estado, Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) e Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial). Eles devem permanecer durante todo o Fórum, não ficando apenas para o dia do encerramento, 25.

Questionada por este blog sobre como estava o debate a respeito da sua Secretaria e se continuaria no cargo, a ministra Matilde foi direta e reta: “estou a disposição para ficar”.

O ministro Luis Dulci era um dos muitos brasileiros que ao caminhar pelo espaço do Kazarani manifestava sua surpresa com a quantidade de participantes que tinham relação com diferentes congregações religiosas.

Ao menos quatro deputados passaram pela Casa Brasil nesta manhã. O deputado federal pelo PSB, Júlio Delgado, e os estaduais por São Paulo, Renato Simões (PT), Vanderlei Siraque (PT) e Nivaldo Santana (PCdoB). Delgado disse que continua no PSB e que os boatos relacionados à sua possível saída do partido são inconsistentes.

“Na verdade, como decidi apoiar a candidatura do Arlindo Chinaglia (PT) para a presidência da Câmara e o PSB apóia o Aldo, alguns colegas de partido começaram a divulgar isso, que eu estaria para sair do PSB, mas continuo firme. E o partido não fechou posição a respeito de nenhuma candidatura, por isso apóio o Chinaglia, que considero uma pessoa séria, ética e responsável.”

Delgado, para quem não se recorda, foi o relator do processo de cassação do ex-deputado José Dirceu (PT). Alguns jornalistas insistem em dizer que a candidatura de Chinaglia é um projeto de Dirceu. Este blog tem elementos para dizer que isso é bobagem.

Muitos representantes do movimento social brasileiro também passaram pela Casa nesta manhã. Em minutos colocarei no ar uma entrevista realizada com um deles, Candido Gribowski, do Ibase, também um dos representantes brasileiros no Comitê Executivo Internacional do FSM. Ele faz uma avaliação do processo de construção do FSM em Nairobi e de seus primeiros movimentos, aguarde.


sábado, janeiro 20

A beleza de um Fórum na África e as suas contradições

Foto: Juliana Di Thomazo
Eram pouco mais de 12 horas e do palanque instalado no Parque Uhuru, no centro de Nairobi, o animador do ato perguntava: another world is... E aproximadamente mil pessoas que já haviam chegado em marcha de diferentes pontos da cidade ou ainda que tinham vindo direto de seus hotéis, respondiam…possible.

É assim que sempre começam os FSMs, uma marcha e uma concentração num importante espaço da cidade onde os participantes cantam, dançam, mostram suas faixas, iluminam suas bandeiras de lutas. E o animador por diversas vezes pergunta: um outro mundo é? E as pessoas respondem: possível.

Onde os mais jovens se emocionam com o que vêem e os veteranos se emocionam ao reencontrar aqueles que conheceram em outros fóruns e que vêm de vários cantos do mundo.

As fotos que aqui estão reproduzidas não precisam de legendas. Elas contam imageticamente suas histórias e são a demonstração viva de que o altermundismo é um novo conceito vivo a motivar milhares de gentes por todos os pontos do planeta. Mas como o FSM é um processo, ele também tem contradições, como sabiamente disse com seu jeito galante o coordenador do Instituto Paulo Freire, professor Moacir Gadotti, um dos membros do Comitê Executivo Internacional do FSM.

Foto: Juliana Di Thomazo
Ele respondia dessa forma à questão sobre alguns métodos heterodoxos (ou seriam ortodoxos) bastante questionáveis que estão sendo inaugurados no FSM do Quênia.

Antes, a beleza da festa
Seria não-jornalístico simplesmente ignorar esses procedimentos questionáveis (ou seriam reprováveis) que estão ocorrendo neste FSM, mas ao mesmo tempo seria injusto a inversão da pauta, tratar primeiro deles e jogar no pé do texto a beleza da festa.

Como é bonito ver um FSM com ampla maioria de negros desfilando suas lutas e formas de comunicação.

Como a marcha saiu de diferentes pontos, ela foi chegando aos poucos ao Parque Uhuru. E um dos primeiros grupos a adentrar ao local foi i do movimento GLBTT daqui. A faixa que traziam, dizia: “contra o patriarcalismo e a homofobia”. Estranho uma palavra de ordem como essa, mesmo para quem vive numa sociedade patriarcalista como a brasileira. Nunca em nenhum outro Fórum, e vários ocorreram no Brasil, este tema foi colocado dessa forma.

Foto: Juliana Di Thomazo
A questão da Aids era a mais presente na camiseta dos manifestantes locais. O que mostra o quão forte é esse tema no atual momento africano.

Quando o brasileiro Chico Witacker, o tio do FSM, como ele brinca quando se refere a Oded Gragew como pai, falava, uma passeata de um grupo religioso exibindo em suas bandeiras a frase “África Israel Nineve Church”, irrompe em frente batendo tambores e dançando e é aplaudido por todos. Aliás, essa pareceu uma característica diferenciada e marcante do FSM daqui, muitos dos grupos organizados que participaram da marcha foram organizados por diferentes igrejas locais, com especial distinção para as evangélicas/protestantes, algumas inclusive de cunho pentecostal, que costumam ser mais conservadoras.

O toque estranho
Mas o que deste FSM nos soa tão estranho. Comecemos pelo credenciamento. Para realizá-lo, atenção leitor, é preciso ir a um estande na Celtel, algo como a Vivo ou a Tim do Brasil. A Celtel é a patrocinadora oficial do evento. Isso mesmo, oficial. Ontem, segundo depoimento de outros colegas jornalistas que foram ao show de música queniana para arrecadar fundos para o FSM, o apresentador fazia questão de agradecer ao “nosso patrocinador Celtel por possibilitar um outro mundo possível no Quênia”.

Ao chegar ao estande da Celtel, deve-se comprar o valor de sua inscrição em cartões dessa operadora de celular local. O valor desse cartão é que vai emitir um código, por celular, para que se possa pegar em outro local, aí sim relacionado ao FSM, o crachá que vai dar direito a acessar as atividades.

Foto: Juliana Di Thomazo
No Brasil, em alguns dos Fóruns, a Petrobrás, por exemplo, foi uma das patrocinadoras. Seria como se por conta disso para se inscrever ao FSM o delegado precisasse ir a um Posto Br com seu carro para receber uma gasolina que lhe permitiria participar do evento.

Mas não é esse a única contradição desta edição. Os voluntários do FSM Quênia são pagos. Isso mesmo, foram contratados como voluntários.

E por fim, muitos dos ativistas quenianos com quem conversamos não vão participar do evento porque não têm como pagar a taxa de inscrição de 400 schillings (7 dólares). O leitor que leu o texto anterior deve saber que se parece pouco isso é o que faz com que muitas mulheres que têm o vírus HIV no Quênia consigam abrir um pequeno negócio para garantir sua sustentabilidade.

Foto: Juliana Di Thomazo
E um FSM sem o povo da terra, sem a beleza das histórias da experiência de luta da gente mais simples, pode acabar um pouco como a festa de abertura de hoje, sem a mesma força de edições anteriores.

Mas um Fórum nunca se conta pelo primeiro dia. Ele é um processo vivo. Com suas contradições e beleza. Quem garante que essa história não possa vir a ser contada de outro jeito amanhã?


O exemplo tocante dessas mulheres do Quênia

A Kenya Network of Women with Aids (Kenwa) é uma das muitas organizações africanas, neste caso quenianas, que surgem a partir da disposição de luta de gente simples, muitas vezes com nível educacional bastante baixo, estrutura quase zero, mas uma enorme fé e disposição para construir o que no FSM se convencionou denominar de Outro Mundo Possível.

Imagine o Quênia em 1993: a Aids chegando de maneira avassaladora. Cinco mulheres portadoras do HIV são discriminadas como todas as outras também portadoras do vírus. Elas decidem reagir e fundam uma organização para elas e para outras tantas mulheres que são rejeitadas por suas famílias. Ser soropositivo até então era sinônimo de sujeira, pecado mortal e a condição era tida como exclusividade de gays e prostitutas.

Elas tocaram o barco sem ter sequer se tornado uma ONG, o que só ocorreu em 1998. Hoje, em 2007, a Kenwa atende aproximadamente 4.000 mulheres e 1.000 crianças órfãs portadoras do HIV.

Foto: Juliana Di Thomazo


Fomos na sexta-feira (19) à sede da entidade para conhecer o trabalho. Impressiona a simplicidade do local, a rusticidade do espaço onde uma ação solidária de tamanha proporção se realiza. A sede central fica num um prédio velho, bastante precário, cujas instalações comerciais da parte de baixo são destinadas a uma oficina mecânica e uma borracharia. Os pneus ali jogados na calçada de terra, moldam o cenário do qual também fazem parte dois carros que funcionam como ambulâncias da Kenwa.

Rosemaru Tollo, uma das responsáveis pelo escritório central, explica como funciona a entidade. São oito casas como essa, espalhadas principalmente por Naiorobi. As mulheres atendidas recebem atendimentos médicos básicos, ficando às vezes internadas nessas casas. O mesmo ocorre com os filhos ou órfãos de mulheres atendidas. Além do acompanhamento clínico, têm apoio psicológico e alimentar, recebendo uma cesta básica quando necessário, o café da manhã e um almoço.

Além disso, o Kenwa se preocupa em atender pacientes que não contam com apoio familiar nas suas residências e que precisam, por exemplo, de cuidados com a sua higiene pessoal.

No exato momento que Rosemary contava isso, veio-me à mente um pedido de Joana Manoela, fundadora do Kulima em, Maputo, Moçambique. Ao fim de nossa conversa ela me disse: “você não pode ver se consegue aquelas máquinas de fazer fraldas para a gente? Será que nenhuma entidade no Brasil nos ajudaria com isso? Isso mudaria muita coisa aqui. Porque um dos nossos maiores problemas com os pacientes com HIV na comunidade é a higiene pessoal. Se tivéssemos essa máquina de fazer fraldas... Eles não têm ninguém às vezes para trocá-los. A gente tem que fazer isso e lavar os panos depois...” Ela conheceu a maquina pelos programas de TV brasileiros que são transmitidos em Maputo.

Além desse apoio básico, a Kenwa também trabalha com micro-crédito para que essas mulheres possam desenvolver alguma atividade econômica, já que não conseguem trabalho formal. Os empréstimos vão de 500 schillings a 3.000 schilling ( 8 a 40 dólares), segundo Rosemary.

Pergunto, então: "é possível desenvolver um negócio com isso?" Ela responde: “Sim, elas fazem alguma coisa para vender ou compram para revender e vão levando. As coisas às vezes se desenvolvem muito bem, mas aí a doença as toca mais fortemente e o negócio acaba. Mas, para nós, isso não é um problema, o que nos importa é a melhora da auto-estima, é resgatar a luta pela vida.”

Entre os adultos infectados na África Subsaariana, 57% são mulheres. No Quênia, em 2002, de 2,5 milhões de infectados numa população de 30 milhões à época, 1,4 milhão eram mulheres. As mulheres organizadas em torno da Kenwa estão com uma campanha, o lema é Give me a chance (Me dê uma chance).

Para conhecer melhor o projeto: www.kenwa.org.


sexta-feira, janeiro 19

Brasileiros já começam a falar alto em Kazarani

Foto de Juliana Di Thomazo


Foto da mini-
coletiva de
imprensa
numa das salas
improvisadas na
arquibancada do
estádio
de futebol
do Complexo
Esportivo do
Kazarani




O português já começou a ser ouvido com mais intensidade no dia de hoje (19/1) no Complexo do Kazarani, onde se realizarão as atividades do FSM. Quem está apoiando a vinda de alguns deles para representar o movimento social brasileiro é a Petrobras. Nos outros seis FSMs, a delegação brasileira sempre esteve entre as maiores, não deve ser diferente desta feita.

Hoje também foi o dia das apresentações para a imprensa de como vai funcionar o FSM por aqui. O mestre de cerimônias foi Davider Lambar, da Comissão de Direitos Humanos do Quênia. Ele fez questão de destacar que o projeto respeitou a arquitetura e a finalidade do Kazarani (esportiva) e que nada foi modificado.

O gramado do estádio de futebol, por exemplo, não será usado para que não venha a ser danificado. As arquibancadas inferiores e numeradas foram apenas cobertas e aproveitou-se a divisão original delas para torna-las salas que serão utilizadas como espaço para oficinas. Essas “salas” terão capacidade que variarão entre 150 e 300 pessoas. A arquibancada superior será usada para os encontros livres, mas sem infra-estrutura de intérpretes nem amplificadores de som.

Uma das novidades deste FSM é que cada espaço terá um nome de um lutador social importante principalmente da África, mas também de outras partes. Uma das áreas, por exemplo, se chamará Che Guevara. A “piada” de Lambar na mini-coletiva de hoje era falar um desses nomes e perguntar: “quem conhece?”. Quando o silencia imperava, dizia: “home-work” (lição de casa, em inglês).

Amanhã pela manhã acontece a marcha que sai de diferentes pontos de Nairobi, vindo a se concentrar no centro da cidade. Estaremos lá para realizar a cobertura.

Antes dessa postagem da marcha, porém, o Blog será atualizado com ao menos uma nota a respeito da visita a um projeto para mulheres infectadas pelo HIV aqui em Nairobi.


A Copa pode fazer muita diferença na África

Mussa é um taxista que trabalha na frente do Hotel Hilton aqui de Nairobi. Pela imponência da sua construção, o Hilton é uma referência arquitetônica na cidade. É um prédio alto e redondo. No centro de Nairobi é possível se orientar por ele. Sabe-se onde está a partir do Hilton.

Esperava Winnie Muxaro e os suecos com quem fomos ao Katarga Farmers Cooperative Society (vou contar essa história em breve). Enquanto o ônibus que nos levaria a essa experiência de empreendimento solidário não chegava, conheci Mussa.

Nos primeiros minutos do papo, pelo sotaque acentuado do seu interlocutor, Mussa já sabia que se tratava de um latino. Ao saber que o latino era brasileiro, disparou: “não sei o nome do presidente do seu país, mas se eu errar um ou dois jogadores da sua seleção vai ser muito”. A conversa continuou e Mussa passou a dizer sobre a importância que a Copa do Mundo na África do Sul pode vir a ter para o Continente. “Eu acho que o Brasil, por exemplo, deveria ficar aqui no Quênia fazendo a sua preparação.” E continuou a defender sua tese: “É preciso envolver toda a África nesta Copa, isso vai ser muito bom para a gente e para as pessoas nos conhecerem melhor. E se o Brasil vier para cá ele vai estar no centro do Continente. Vai ter o apoio de todos nós. Os quenianos são Brasil no futebol. A gente adora o jogo de vocês.”

Lembrei-me da conversa que tive com outro taxista, Russell G. Ditlhoiso, em Joannesburg. Ele comentava a nova situação do seu país e num dado momento desse nosso papo, fez uma reflexão bastante interessante. Disse que a África do Sul já tinha abrigado campeonatos mundiais de outros esportes, mas que com a Copa seria diferente. “No aparthaid apenas os negros jogavam futebol, porque era o esporte barato. E como os negros jogavam, os brancos praticavam críquete, golfe e outros em que é necessário ter recursos. Agora, os brancos também jogam futebol e podemos ter uma seleção inter-racial. Pode ser a nossa oportunidade para que todo o país torça junto por uma única África do Sul, de negros e brancos.”

Para Russel isso poderia ser o começo da unidade. Carlos Alberto Parreira está sendo muito bem pago para montar uma equipe sul-africana competitiva para o próximo mundial. Parreira sabe montar times eficientes quando eles não têm obrigação de jogar bonito e quando não têm muitos craques. Talvez a África do Sul avance na competição. Se isso vier a acontecer pode ser que pela primeira vez na recente história daquele país negros e brancos comemorem juntos e abraçados vitórias comuns.


quinta-feira, janeiro 18

O caráter deste blog

Inauguramos hoje uma nova maneira de relacionamento com você, colega leitor, mas isso em nada significa que vamos mudar o nosso padrão jornalístico, a maneira de realizar análises, o critério na forma de reportar os fatos. Claro que num canal como este é permitido um pouco mais de malemolência, aquele escrever mais solto e leve, que não tem de se ater à estrutura mais clássica. Mas de algum jeito, já fazemos isso parcialmente no nosso tradicional Lado B. Com o Blog, isso se intensificará.

Nesse texto de chegada, não quero assumir compromissos específicos com o colega leitor, mas faço questão de me comprometer com alguns de caráter geral.

Este Blog não será um veículo de promoção pessoal nem de grupos afinados com a linha de pensamento do que assina. Será um projeto de caráter jornalístico que buscará trazer informações quentes e diferentes no âmbito da política nacional e internacional e ao mesmo tempo tentar interpretá-las da melhor e mais honesta forma possível.

Outro aspecto importante será o de trazer ao colega leitor tanto um pouco dos bastidores das reportagens que estiverem sendo realizadas pelo que assina, como também o de ser um tipo de jornal diário, com matérias que só têm sentido se realizadas no calor da hora, por não terem perenidade suficiente para serem pautas de uma revista mensal.

Também na linha do que se faz nas edições impressas de Fórum, este Blog vai buscar, sempre que possível, “o outro lado da informação”. Isso tem dois sentidos. O primeiro, é o de tentar enxergar em certas coberturas aquilo que o jornalismo tradicional ignora. E a partir disso produzir uma reportagem ou análise diferenciada.

Ao mesmo tempo, tentar trazer à luz alguns assuntos quase que completamente ignorados pela mídia clássica. Informaremos o leitor a respeito de eventos, debates, greves, manifestações, fóruns, encontros etc. Será aberto espaço para aquilo que nos parecer interessante ser divulgado ou discutido e que faz parte da agenda do movimento social. Conto com o colega leitor, inclusive, para que possamos saber o que está acontecendo no seu canto.

Infelizmente, no nosso contexto jornalístico nacional, como a maior parte dos veículos se move pelos fatos relacionados ou com a dinâmica aparente dos governos ou do mercado, tratar o movimento social como pauta ainda é “o outro lado da informação”. É por isso que nossa imprensa, como se diz na várzea, toma tantas bolas nas costas.

Quanto à periodicidade dos textos aqui publicados, esse é um dos aspectos que considero difícil de tratar com o leitor agora. Sei que tenho limitações objetivas de tempo pelo papel que desempenho na Fórum e na editora Publisher Brasil, tanto do ponto de vista editorial, como também (infelizmente) administrativo e gerencial. Mas todo o possível será feito para que o nosso contato seja o mais intenso, desde que assegurado um certo padrão de qualidade. Não vamos transformar esse Blog, para que ele tenha mais audiência, por exemplo, num espaço de especulações, fofocas e provocações obtusas. Não vamos transformar este Blog, para que ele tenha mais audiência, por exemplo, num espaço de especulações, fofocas e provocações obtusas. Dona Clotilde ficaria triste com isso. Carolina com vergonha. E, felizmente, os editores executivos do projeto, Glauco Faria e Anselmo Massad, não aceitariam.

Por fim, colega leitor, não entenda os primeiros movimentos deste espaço como sendo o Blog em si. A realização dele, de Nairobi, no Quênia, onde estou com a Juliana Di Thomazo – que garante as fotos que estarão no Arquivo África a ser disponibilizado aqui – será uma de suas possibilidades.

Até o fim do mês ele será mais negro, quase que completamente afro. E fundamentalmente forunzistico. Afinal, de 20 a 25 acontece o evento mundial que nos trouxe até aqui.

Conto com você neste caminhada. E bola pra frente que atrás vem gente...


Alguns detalhes de um safari

Fotos: Juliana Di Thomazo
A Reserva Nacional de Masai Mara fica a seis horas de Nairóbi, mas ela faz parte da vida da capital do Quênia. Seus 1.510 km2 e a população estimada em 1,5 milhão de animais a tornam o mais importante ponto de visitação turística do país. E um dos mais famosos do planeta.

Vir ao Quênia e não ir ao Masai Mara é tão possível quanto ir ao Brasil e não visitar o Rio de Janeiro. Até os paulistas reconhecem a maestria da beleza natural do Rio, mas o Brasil não é o Rio.

Muitos brasileiros que virão ou já estão no Quênia para o FSM não terão tempo ou mesmo recursos para conhecer a reserva. E terão sentido e vivido a África num país representativo das possibilidades e contradições deste Continente.

Observação feita, de qualquer maneira é necessário registrar, um safári no Masai Mara é uma experiência e tanto. E só se pode tê-la no Quênia.

Mais do que ficar viajando naqueles carros que o leitor já deve ter cansado de ver na National Geographic (com capota removível) e ficar disparando o botão da máquina fotográfica a cada bicho exótico que faz um movimento, vive-se num safári uma relação diferenciada com o mundo animal.

Só num espaço onde não haja qualquer interferência humana danosa a esse hatitat natural é possível se perceber como se organizam as diferentes espécies, que tipo de comportamento têm em relação a suas crias, quais são os movimentos que fazem para garantir a sua alimentação etc.

É de uma beleza rara ver um leão brincando com seu filhote, se escondendo entre arbustos, se arrastando por entre uma grama um pouco mais alta, até atacá-lo por trás e depois lambê-lo carinhosamente.
Fotos: Juliana Di Thomazo


Duas girafas se acarinhando como que num balé de enormes pescoços. Uma onça se espreguiçando sobre o galho de uma árvore e desconsiderando a presença de uns cinco carros cheios de turistas que a fotografavam. Aqueles enormes elefantes de olhar profundo, como se estivessem a dizer algo aos intrusos.

Mas além do Masai Mara em outras reservas também se pode ver cenas como essas. Acontece que nelas não se têm a população local, criando ovelhas, bois, galinhas e cabras como se estivesse numa fazenda tranqüila, onde aqueles fossem os únicos animais a dividir a área.

Os Masais parecem ter feito um trato com os outros animais que não fazem parte da sua atividade pastoril. Um não ataca ou outro, só muito eventualmente. Em algumas ocasiões festivas, por exemplo, uma outra espécie desses animais é sacrificada. Uma dessas festas é realizada antes de os garotos de 12 a 15 anos serem circuncidados.


Nem toda a população local é feliz com a utilização da sua reserva para exploração turística, mas uma boa parte trabalha para o que a atividade gera. Além do comércio das tradicionais mantas Massai, vende-se bijouterias, pequenas reproduções de animais e outras peças de artesanato local. Mas muitos Massai ainda trabalham nos hotéis, nos desbloqueios de estradas de terra, onde a cada momento se vê um carro atolado, ou ainda participam de comunidades que tem campings onde empresas turísticas levam seus clientes para pernoitar nas barracas por eles gerenciadas.

Num camping como esse, pode-se ter um contato um pouco mais próximo da população local. Ter um Massai como um guia para uma curta caminhada. E vê-lo tomando em 15 segundos uma garrafa de Coca Cola, enquanto você mal conseguiu colocar a cerveja no copo.


Algumas linhas para falar das cervejas

As cervejas africanas, como de resto quase todas as outras cervejas do mundo, são melhores até que as melhores do Brasil. O avaliador, só para que o leitor saiba o seu parâmetro, entre as comerciais brasileiras prefere, nesta ordem, Original, Boemia e Skol. Não gosta nada de Antarctica, Schincariol e Kaiser. E considera Itaipava e Brahma no mesmo nível, medianas. Feito esse registro, ao que motiva a nota.

Na África do Sul a cerveja mais encorpada e saborosa é a Black Label. A Castle é a mais popular e um pouco mais forte, mas mesmo assim muito melhor que uma Brahma, por exemplo.

Em Moçambique, fique com a Laurentina. Como as da África do Sul ela tem 5% de álcool. Ou seja, você não precisa beber tantas. A 2M, mais vendida, já tem um sabor bem questionável, principalmente se servida quase quente, como costumam ser servidas as cervejas em quase todos os restaurantes.

Aqui no Quênia as duas principais cervejas são 20% mais fracas do que as sul-africanas e moçambicanas. Tem 4,2% de gradação alcoólica. A Tusker (fala-se Taska) é um pouco mais amarga, mas ao mesmo tempo saborosa. Não é muito melhor do que White Cap Larger, mas leva vantagem. Entre todas, a melhor é a Black Label. Em alguns restaurantes do Quênia talvez seja possível encontrá-la. A Castle pode-se comprar em vários.

Aliás, a especialidade sul-africana nem são as cervejas, são vinhos. Excelentes.

Para quem já tomou um Two Oceans, vendido em alguns restaurantes brasileiros, não o trate como parâmetro. Se fosse cachaça brasileira, seria algo como uma 51, famosa e de qualidade bastante abaixo das boas pingas nacionais.


Algumas atividades já estão em andamento

O FSM ainda não começou, mas algumas das atividades que lhe darão sabor especial já se realizam. A ONG Terre des Hommes reúne 20 adolescentes e jovens de diferentes países como África do Sul, Moçambique, Suíça e Tanzânia. Os jovens estão reproduzindo seu corpo numa tela e nesse processo estão tratando de questões relacionadas às suas história e perspectivas. As pinturas serão expostas durante o FSM e a abertura da exposição acontece no dia 22, às 13h.


Um grande complexo esportivo


Foto: Juliana Di Thomazo

O Kazarani, local onde acontece este FSM, já está sendo preparado para recebê-lo, como é possível ver nas fotos de Juliana Di Thomazo. É um excelente lugar, tudo leva a crer que ficará muito bonito com a presença alegre dos participantes do FSM.

Repleto de árvores, com muito espaço gramado, que vai permitir que as pessoas relaxem entre uma e outra oficina, ele terá tendas de alumínio e lona espalhadas. Desta feita, os organizadores não tentaram soluções alternativas como em Mumbai e Porto Alegre, onde as construções evitavam materiais não-ecológicos.

Originalmente o Kazarini abriga um complexo esportivo. Ele tem um estádio de futebol, um ginásio e um complexo aquático. Todos grandes, o que o faz muito imponente. E bonito, porque está dentro de um parque. Algo que desconheço com essas particularidades no Brasil.

Na primeira visita feita ao local ainda não deu para saber como estarão divididas os eixos e atividades. Mas foi possível descobrir que dessa vez haverá sistema wirelles para os internautas, ou seja, uma modernidade que o FSM da África proporciona. Aliás, esse nos parece um dado subjetivo deste Fórum. Os altermundistas da África querem mostrar aos altermundistas do resto do planeta que o continente em que vivem não é a terra de selvagens que o preconceito midiático faz crer que é.


Welcome ao Quênia

Foto: Juliana Di Thomazo
Antes de desembarcar no Quênia, como sabe o leitor, passamos por Joanesburgo e Cidade do Cabo (África do Sul) e Maputo (Moçambique). Na África do Sul, o visto para a entrada é desnecessário. O de Moçambique é tranqüilo de ser tirado do Brasil. Para o Quênia, fica mais fácil fazê-lo direto no aeroporto de Nairobi, onde custa 50 dólares por pessoa. Muito mais barato do que se tentássemos garanti-lo por aí, ainda mais de última hora.

Sempre fica o receio de que, por algum motivo, o visto seja negado. Mas a agente de viagens disse desconhecer esse tipo de ocorrência no Quênia. A boa surpresa foi quando me apresentei ao representante do governo e lhe disse que vinha para participar do Fórum Social Mundial. Perguntou-me sobre o que viria fazer.

Quando lhe informei que era jornalista, Aswani D. Robert pegou uma caneta e anotou “Imigration and Identity Crisis in Political Formation in África – The Case of Kenya”. Ele será um dos palestrantes do FSM e me convidou para ir assisti-lo. Senti no aeroporto a capacidade que o Fórum tem de envolver a cidade que o recebe.

Mas estamos num país repleto de contradições. Malas na mão, táxi para o hotel. Era noite, umas 22h, a cidade é pouco iluminada. Depois de uns 20 minutos, estamos prestes a chegar ao Metodistic Guest House, mas um bloqueio policial pára o carro. O taxista desce, fala daqui e dali e o policial aparece ao meu lado. “Cadê o cinto de segurança? Por que vocês não estão usando?”

Argumento que não sabia que era obrigatório, ainda mais porque estávamos no banco de trás. “Vou ter de levá-lo para a delegacia”, responde. Em resumo, ficou um tempo arriscando ameaças e sinalizando que queria grana. O taxista acabou saindo dali de perto com ele. Depois voltou contando a história que tinha lhe dado 10 dólares. Parece que falava a verdade.

Agradeci por ter resolvido o problema, mas disse-lhe que era contra a solução. E chegamos ao hotel. Esse tipo de corrupção miúda é um dos grandes problemas da África, muito em função do modelo de colonização que se deu por aqui. Que o FSM consiga fortalecer as entidades da sociedade civil que lutam contra ele. Quem sabe fazendo com que pessoas como Aswani D. Robert, que parece estar preocupado com as coisas de sua gente, cresça na estrutura do Estado.


Dois lados de dois candidatos

De Nairóbi, Quênia [13/01/2007]

Acompanho à distância (e que distância) a disputa entre Arlindo Chinaglia (PT) e Aldo Rebelo (PCdoB) pela presidência da Câmara. Não consigo saber que interesses hoje estão por trás de cada candidatura, mas que os há, os há... De qualquer forma, existem aspectos subjetivos na disputa que devem ser considerados.

Primeiro, como ressalva, considero que tanto Chinaglia quando Aldo têm direito a pleitear o cargo. Um, porque o exerce e fez um bom mandato num momento conturbado. Outro, porque faz parte do segundo maior partido da Câmara que realizou um acordo com o primeiro (PMDB). E não foi à toa: sem o apoio do PT o PMDB correria riscos na disputa pela presidência do Senado.

O que me parece subjetivo na disputa são as características pessoais dos pleiteantes. O que faz grande diferença num colégio eleitoral com as particularidades da Câmara. Chinaglia é o boa praça. O deputado que conversa com todos, sempre disposto, nunca parece estar de mau-humor. Aquele que você imagina que, se precisar para alguma coisa, pode contar.

Aldo é o típico quadro político da esquerda clássica. Sério, de poucas palavras, parece um bloco de gelo, mesmo nas situações mais adversas. Não trata seus adversários como inimigos, mas também não é o amigão dos aliados. É um tipo mais introspectivo.

Na disputa em que deu Severino Cavalcanti, antes de Luis Eduardo Greenhalg ser definido como candidato do governo, na disputa interna do PT, se contabilizados apenas os votos dados à primeira opção de cada deputado, quem havia levado era Chinaglia. Ou seja, ali seu nome já era o preferido da bancada. E isso mesmo ele pertencendo a uma corrente minoritária do partido, o PT em Movimento.

Na Câmara Federal, os deputados querem ser amigos do presidente da Casa, entre outras coisas para terem um interlocutor para suas demandas e para não ter de ficar tomando chá de cadeira na ante-sala da presidência. A vitória do petista na consulta realizada pelo PMDB e pelo, pasmem, PSDB, tem esse componente.


Um breve guia para os atuais e futuros viajantes

De Nairóbi, Quênia [13/01/2007]

Se você conhece alguém que está vindo para o FSM do Quênia passe esse texto para ele. Vai ser muito útil. Se você pensa em vir um dia para cá, guarde-o.

Nairobi, a capital, é uma cidade com problemas de trânsito não muito distintos de São Paulo, com a diferença de que ele é mais desorganizado (pois é, é possível). Andar de táxi é a melhor alternativa, mas é tão caro quanto nas grandes cidades brasileiras. Ir do Centro ao Kazarani, local onde estará o FSM, sai por aproximadamente 50 reais cada deslocamento. Mas há um ônibus chamado City Hopa que cobre uma parte da cidade e é razoavelmente confortável. Para o Kazarani, ele não vai. A alternativa são os Matatus, as peruas e vans. Custam o equivalente a pouco menos de 1 real, mas andar nelas é uma aventura. Os motoristas se comportam como pilotos de rally, num carro praticamente sem amortecedores.

Outra coisa que o amigo ou a amiga que vier deve levar em conta é que cartão de crédito não é dinheiro em Nairobi. A maior parte dos hotéis não aceitam. Nem os melhores restaurantes – quanto menos os piores. Se você pensa em fazer um Safári, também é bom ter dólares à mão. As agências que tem preços razoáveis só aceitam cash. A diária por pessoa, por exemplo, para um como o do Masai Mara, que é considerado o melhor, custou-nos 80 dólares. O período mínimo deste passeio é três dias. Barganhe sempre. Em breve, contarei ao leitor como foi a experiência.

A diferença do Masai Mara em relação aos outros é que lá os bichos convivem soltos no mesmo espaço que a população, os Masais. Os amigos Marco Piva e Vera, que já vivenciaram a experiência, consideram-na inesquecível.


O drama de Xavier e a beleza de Amelinha

De Maputo, Moçambique [12/1/2007]

Xavier Felizberto (a direita na foto) estava deitado no meio do que deveria ser a sala sobre uma esteira e um lençol surrado. Quarenta e dois anos, magérrimo, nada mais do que pele e osso. Completavam o cenário uma mesinha no canto, com duas caixas de papelão abertas e a alguma medicação. E o olhar sem esperança das filhas, Amélia Xavier da Silva, 12 anos, e Júlia Xavier da Silva, 23, que haviam nos recebido à porta. “Eu estou esperando o médico vir para dar injeção. Essa doença. Estou muito mal, muito mal...”

As meninas perderam a mãe há dois meses. E se preparam para a morte do pai.

Não há poesia na tragédia. A querida Moçambique que deixamos nesta última quinta-feira (11) com um nó no peito tem um povo com gana suficiente para mudar seu destino. Mas além de superar seus dramas sociais terá de enfrentar também a epidemia da Aids que está massacrando o que o país tem de melhor, o mesmo povo.

A situação em que se encontra Xavier Felizberto não é única. Em Moçambique o HIV já atinge 20% dos habitantes. E tem matado de forma mais cruel do que nos primeiros anos em que o vírus chegou ao Brasil. Quase ninguém tem acesso ao retroviral, que dá qualidade de vida ao infectado e lhe garante sobrevida. Pior: poucos têm boas condições sanitárias e de alimentação para enfrentar a doença ou, como Xavier, sequer um local adequado para repousar o corpo fragilizado com um mínimo de dignidade.

Segundo o coordenador local da Unicef, Gabriel Pereira, metade da população de Moçambique, 10 milhões de pessoas, tem até 18 anos. E a expectativa de vida, que antes da Aids havia chegado a 45 anos, hoje está em 37,1, devendo cair para 35,9 em 2010.

Atualmente, há proporcionalmente mais gente com o vírus nas regiões central e sul de Moçambique, do que na Norte. O único motivo para essa diferença seria o fato de que, por se tratar de área fundamentalmente rural, o vírus chegou ao Norte alguns anos depois. Ou seja, a Aids ainda está em ritmo ascendente no país.

Moçambique, caro leitor, esse país de tanta esperança, está na colocação 168 do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, que faz a medição da situação em 173 países. O bairro onde vive a família Xavier é uma favela de Maputo, a Polana Caniço. Maputo é um dos lugares de melhor qualidade de vida no país. Relatório da Unicef, por exemplo, sustenta que na cidade de Maputo apenas 3% das crianças vivem na pobreza absoluta. Em Zambézia, norte do país, são 75%.

Como as coisas acontecem em Moçambique
Quem leu até aqui, ao ver a foto que ilustra essa matéria pode imaginar que fomos ao inferno. Já dissemos o contrário na primeira matéria abordando Moçambique. E para confirmar a tese anterior, vale contar como localizamos a família Xavier.

Havíamos marcado uma entrevista para quarta (10) à tarde com o coordenador local da Unicef. Tínhamos a manhã livre. Mas até terça-feira à noite não sabíamos se poderíamos usá-la por conta dos diversos trabalhos que envolvem uma cobertura como esta. É preciso organizar os deslocamentos, agendar conversas, escrever matérias, tirar entrevistas gravadas, fazer e baixar fotos, tratá-las, postá-las em ftp e ainda acessar a internet tanto para enviar o produzido como para conversar com os que ficaram na redação e dão a maior força para que tudo ocorra bem com o nosso trabalho.

De qualquer forma, quando na quarta pela manhã descobrimos que tínhamos dado conta das tarefas citadas e que poderíamos fazer algo mais, decidimos visitar uma comunidade, Polana Caniço.

Quando entramos no táxi, nosso motorista lembrou que conhecia a coordenadora de uma Ong daquele subúrbio, como eles se referem às favelas. E foi assim que chegamos a Joana Manoela, fundadora e coordenadora do Kulima, entidade que existe há 13 anos, tendo nascido logo após a assinatura do tratado que pôs fim à guerra em Moçambique. Até o telefonema de Antônio ela nunca havia ouvido falar de nós. Ela não tinha nenhuma referência do nosso trabalho.

Em quinze minutos estávamos à frente de Joana que nos colocou para conversar com sua equipe, entre eles Camilo Sitoe, coordenador adjunto do projeto, e da enfermeira Goretti Langa, que nos levaram à casa da família Xavier. Já nos sentimos amigos desse pessoal, tamanha a atenção e generosidade com que fomos recebidos. E convivemos com eles apenas duas horas.

Depois da entrevista com o pessoal da Kulima, andamos por aproximadamente 45 minutos pela Polana Caniço. O leitor em breve poderá ver fotografias dessa visita produzidas por Juliana Di Thomazo. Como já havíamos andado a sós por outros cantos de Maputo nem nos demos ao trabalho de perguntar aos novos amigos se estávamos seguros ali. Sabíamos estar.

Aquela certa força estranha
Moçambique cresceu em média 8,5% de 1997 a 2005. Deve crescer 7% em 2006. A previsão é 10% para 2007. Ou seja, ótimo ritmo. Um crescimento no patamar da Índia e da China, num país muito pobre, mas não populoso. Mesmo assim, metade do orçamento do Estado ainda é proveniente de recursos internacionais. Ou seja, a dependência externa é imensa e isso engessa o vôo próprio, já que todo dinheiro vem carimbado para investimentos na área que o doador define. Mesmo assim alguns índices demonstram que tem se conseguido realizar um crescimento não concentrador. A população que vive abaixo da linha de pobreza de consumo desceu de 69% para 54% de 1997 para 2003. Diminuição de 15 pontos em seis anos. E mesmo tendo saído de uma guerra apenas em 1992, o país tem baixos índices de violência urbana.

O leitor pode estar se perguntando, o que disse Xavier na visita que fizemos? Quase nada, ele está muito doente. E as pessoas já descobriram em Moçambique que quando não se usam os tratamentos mais modernos para tratar alguém que contraiu o HIV, infelizmente, as chances de recuperação inexistem. Xavier não sabe, mas talvez se Moçambique não dependesse tanto de recursos externos talvez seus governantes pudessem quebrar patentes e ir à luta para garantir tratamento adequando ao seu povo.

Mas depois da curta conversa com ele, saímos de sua casa e à beira do portão falamos um pouco mais com suas filhas. A mais nova, a belíssima Amelinha, é uma das beneficiadas pelo Projeto Kulima, que contribui para que jovens pobres possam estudar. Para obter recursos para esse apoio, o Kulima conta com a contribuição de organizações de países mais ricos que atraem “padrinhos” para crianças da região. Atualmente esse tipo de ação beneficia 840 delas, que recebem cadernos, roupas básicas, reforço e acompanhamento escolar. Elas ainda podem participar de atividades extracurriculares na área de cultura, esportes e formação profissional. E contar com a orientação e o acompanhamento de profissionais da área de saúde e do serviço social.

Amelinha, filha de Xavier, é uma das crianças que tem um padrinho no exterior. Ele, como outros, destina 200 dólares ao ano para que ela seja acompanhada pelo Kulima. Amelinha também já faz parte das 380 mil crianças moçambicanas que são órfãs por conta da Aids. Número que deve chegar a 610 mil até 2010.

Não perguntei a Amelinha o quanto feliz ela era. Mas fiquei emocionado ao vê-la dizer “que bonita estou”, quando viu sua foto reproduzida na tela da máquina digital. A seguir sua irmã, Júlia, repetiu a mesma frase. Pareciam estar repetindo um mantra de felicidade, mesmo depois de uma entrevista em que esse jornalista e a fotógrafa não conseguiram esconder uma certa tristeza. Que bonita estou...


A alegria de saber que Moçambique existe

Foto: Juliana Di Thomazzo

De Maputo, Moçambique [10/1/2007]

Seria talvez conveniente abordar aspectos da política, da economia e da cultura já nesta primeira matéria produzida a partir de Maputo, capital de Moçambique. Vamos fazê-lo, mas antes é preciso falar do que parece mais impactante neste pedaço do continente africano que fala português: a generosidade e a graça do povo deste país.

Curioso como o moçambicano médio tem muita semelhança com o nordestino brasileiro padrão. O leitor vai entender melhor com o exemplo a seguir. Fazia uma hora que havíamos chegado a Maputo e saímos para uma caminhada ao redor do hotel. Após 100 metros entramos em um mini-mercado para comprar água. O calor aqui está imenso, até sufocante. Decidimos perguntar à moça que nos atendia se conhecia algum restaurante típico e agradável. Já era passada a hora do almoço. De origem chinesa, ela se atrapalhou para responder e eis que um rapaz que estava já saindo com seus pacotes pergunta: “Mas vocês conhecem ao menos um bocadinho a cidade?” Havíamos chegado a menos de uma hora. Ao saber, propôs: “Então vão de boleia (carona) comigo... vou levá-los até um sitio muito especial…”

Foto: Juliana Di Thomazzo
Claro, leitores, que isso poderia acontecer na nossa primeira hora de estadia na cidade e depois não vir a se repetir. Mas não é isso que está acontecendo. Ao contrário, as demonstrações de atenção e afeto têm se repetido constantemente. Vão do garçom ao vendedor de artesanato na rua. E chegam ao ponto de, depois de algumas horas de papo com um casal, termos sido convidados e muito bem recebidos por eles num jantar que nos ofereceram em sua residência. O intuito era, como acabou acontecendo, nos preparar um frango ao molho de amendoim, semelhante a uma moqueca. E ao mesmo tempo nos fazer ouvir música tradicional moçambicana.

Apesar de tudo, uma sensação de que as coisas ainda vão acontecer por aqui

Há pouco mais de 30 anos Moçambique é independente. Isso só aconteceu em 25 de junho de 1975, depois de 13 anos de uma dura luta armada liderada pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) contra os colonizadores portugueses. E não houve concessões. Os europeus só saíram daqui após sucessivas derrotas e ao perceberam que tinham ampla maioria do povo contra si. O líder do movimento nacionalista era Samora Machel, seria o primeiro presidente do país.

Naqueles dias, o índice de analfabetismo não era muito diferente do que encontrado na década de 50, quando foi realizado o ultimo levantamento antes da independência. Em 1950 os analfabetos eram 97,86%. Os índices melhoraram, mas nada impressionante. No censo de 2000, os moçambicanos eram 19.104.696. Entre os homens, 57,5% eram alfabetizados. Das mulheres, apenas 23,3%, perfazendo uma média de apenas 40,1% de alfabetizados. Mas o que ocorreu então com a tal revolução moçambicana?

Antes de simplificar a resposta é preciso avançar um pouco no contar da história do país. Após a independência, sob a liderança de Samora Marchal, o país assumiu uma posição à esquerda, mais próxima da então União Soviética, num mundo bipolar e envolto pela Guerra Fria. E tirou, como uma de suas prioridades, apoiar as lutas antiimperialistas no continente. Isso imediatamente colocou Moçambique em posição antagônica às duas principais potências de então, a África do Sul, ainda sob o apartheid, e a Rodésia, colônia inglesa, que viria a se tornar independente apenas em 1980, passando a se chamar Zimbawe.

Enquanto o governo de Moçambique, por exemplo, apoiava o Congresso Nacional Africano (CNA) na luta pela libertação do apartheid, incluindo o envio de armas para esse movimento, o governo sul-africano financiava a resistência interna contra o governo revolucionário de Moçambique, fortalecendo os contras, organizados principalmente na Renamo.

Em 16 de marco de 1984, porém, na fronteira comum dos paises, nas margens do rio Nkomati, Samora Machel e o racista Pieter Botha, assinaram o acordo de Nkomati, onde ambos se comprometiam a não se agredir e nem a financiar os opositores de cada governo.

A história mais comum a se ouvir é que Samora teria sido assassinado pelo governo sul-africano logo após a assinatura do acordo. E que os sul-africanos teriam esperado a assinatura do acordo para matar o então presidente do país. Pode ser. Mas Severino Sumbe, editor chefe do jornal A Noticia, de certa forma um jornal do governo, que tem como principal acionista o Banco de Moçambique, não se entusiasma com essa versão, mas parece preferir outra. “Recentemente cogitou-se até que poderiam ter sido os soviéticos os autores, porque eles não concordavam com o acordo assinado por Samora, queriam derrubar o apartheid na África do Sul e contavam com Moçambique para isso. Talvez eles não tenham entendido que ali era preciso dar um passo atrás para talvez dar dois a frente.”

Foto: Juliana Di Thomazzo
Educação é um dos principais problemas de
Moçambique.
Apenas 40% da população havia sido
alfabetizada, segundo dados de 2000.


Mesmo sem a suposta ajuda da África do Sul à oposição, a guerra civil em Moçambique ainda durou até 1992, quando um pacto de não agressão entre Renamo e Frelimo foi assinado em 4 de outubro. Depois disso, em 1994 o país teve sua primeira eleições democráticas. Ou seja, há 12 anos e alguns meses Moçambique vive sem guerras. E com eleições. E antes disso tinha um povo praticamente 100% analfabeto.

O povo ainda assim é do jeito que é
Não seria o caso aqui de ficar apresentando justificativas para o ainda enorme analfabetismo do país e também para a sua situação caótica do ponto de vista do sistema médico, das vias de transporte e da limpeza pública. Mas evidente que um país não se constrói em 10 anos, principalmente depois de ter sido espoliado por mais de um século, num modelo de colonização que tinha por objetivo retirar o máximo para enviar para o império, não se preocupando com o desenvolvimento local.

A pobreza por aqui também é grande. A renda per capita anual é de US$ 1 mil. Para comparar, a pobreza que se enxerga nas ruas parece um pouco pior do que a do Brasil, mas ao mesmo tempo nada comparável as cidades indianas que visitamos por ocasião do FSM de Mumbai. Ou seja, numa perspectiva comparativa, a qualidade de vida do moçambicano médio estaria entre o Brasil e a Índia.

No ano de 2006 o crescimento do país deve ficar em 7%, os dados oficiais ainda não foram divulgados. Em 2007 o esperado é 10%. Se isso vier a ocorrer, com apenas 20 milhões de habitantes, e com um economia crescendo neste ritimo, Moçambique pode começar a pensar em mudar seu destino.

Claro que há um tanto de torcida nisso, mas há algumas questões objetivas. O país tem a maior costa marítima da África e fica em posição estratégica para ser entreposto comercial de muitos deles. Tanto pode desenvolver sua indústria pesqueira como ampliar a participação econômica do seu setor portuário. Ao mesmo tempo tem uma cultura artesanal na área de madeira que impressiona e, se desenvolvida, pode levar a uma indústria de móveis invejável. Mas mais do que isso, tem um povo que parece querer fazer as coisas mudarem.

A pobreza de Moçambique, por exemplo, foi de algum jeito fator gerador de luta, quando dos confrontos pela independência do país. Um fator que os levou a pegar em armas para defender sua autonomia territorial. Mas não produziu ainda violência urbana, bastante reduzida. É possível passear pelas ruas de Maputo a qualquer hora do dia de maneira relativamente segura, muito mais tranqüila que nas cidades grandes e médias do Brasil. E durante a caminhada, se lhe reconhecerem como turista (no nosso caso até pela diferença da cor da pele e dos traços ocidentais isso é comum) em vez de olhares ameaçadores, vão lhe proporcionar sorrisos e comprimentos.

Mas se o leitor foi percebido brasileiro e o interlocutor for homem, claro, que o maçambicano tomará coragem para abrir uma conversa, já sabendo que você fala português, e vai desfilar meio time do Brasil, a começar por Ronaldinho. Se você for como o que assina, não vai deixá-lo esquecer do Robinho. E vai dizer que se o Parreira não fosse tão teimoso teríamos com o ex-santista no ataque e mais algumas alterações no time ido mais longe na Copa passada. E que se possível você vai voltar aqui, para Moçambique, para ver a Copa que vai acontecer em 2010 na África do Sul.

Saiba, leitor, Maputo fica só a cinco horas de ônibus de Joanesburgo, e um dos estádios que devem sediar a Copa da África estará a apenas duas horas daqui. Com um povo tão interessante como este, deve ser o máximo ver uma Copa do Mundo por aqui. Até para começar a conferir se, de fato, o país terá começado a construir uma saída para um futuro diferente.


Uma democracia pautada pela cor da pele

Foto: reprodução Sam Nzima
Da África do Sul [8/1/2007]

De 1948 até as eleições de 1994 o sistema baseado no apartheid garantiu à minoria branca da África do Sul domínio completo dos rumos do país. Esses 40 anos de estupidez política levam a crer que talvez mais do que outros 40 serão necessários para que as posições ideológicas não tenham como determinante a diferença de cor da pele.

É incrível como o mapa político atual da África do Sul guarda relação com sua composição étnica. Na última eleição, por exemplo, o principal partido anti-apartheid, Congresso Nacional Africano (CNA), que tem na figura de Nelson Mandela sua referência maior, obteve 69,68% dos votos. Enquanto isso a Aliança Democrática, ficou com 12,37%. A legenda que prevaleceu no sistema racista era o Partido Nacional, que praticamente definhou, tendo tido na última eleição apenas 1,65% dos votos. O herdeiro político da ideologia branca passou a ser a Aliança Democrática.

Só para relembrar dados que divulgados na matéria anterior, o último censo sul-africano de 2003 registra que no país 79% se auto-classificavam negros, 9,6% brancos, 8,9% “coloured” (mulatos) e 2,5% como indianos/asiáticos.

Para que não cometer uma imprecisão histórica, é preciso registrar que o apartheid ganhou forma jurídica constitucional em 1948, mas a segregação dos negros no país é ainda anterior. Desde o início do século já existiam na África do Sul leis que distinguiam os habitantes em decorrência da cor da pele.

De 1948 em diante o que ocorreu é que o domínio racial e a segregação tornou-se regime político. Em Joanesburgo, o Museu do Apartheid faz o visitante reviver um pouco daquele período.

Desde a compra do ingresso na bilheteria, onde se recebe um tíquete que o identifica por cidadão branco ou não-branco (neste caso, independente da cor do visitante), até a entrada distinta para os que portam os tíquetes diferenciados, passando pela possibilidade de assistir programas noticiosos da época, ver entrevistas de ministros e fotos de massacres como o que motivou a maior revolta no Soweto, em 16 de junho de 1976, que levou à morte 600 pessoas, principalmente jovens. O primeiro deles teria sido Hector Pieterson, de 12 anos, hoje também o nome de um Museu no Soweto, onde essa história está registrada. A foto de destaque dessa matéria é do momento em que Hector Pieterson era carregado por um de seus colegas que o resgatou em meio ao confronto.

No Museu do Apartheid, tudo é de certa forma nojento, mas talvez um dos momentos mais reveladores daquele escatológico regime seja a reprodução de uma das entrevistas de um ministro da Justiça da época do apartheid. Uma boa parte do museu é composta por inúmeras televisões que projetam, repetidamente, documentários sobre o período. A entrevista em questão é reprisada numa das telas que relembram o noticiário da época. Ao responder a questão de um jornalista internacional, que de alguma forma ponderava se aquele tipo de segregação não feria a todo e qualquer aspecto do direito internacional, o ministro de maneira absolutamente tranqüila, numa tradução livre, disse algo como: “isso seria verdade se estivéssemos falando de pessoas civilizadas. É esse caminho que estamos tentando construir, mas não é fácil. Os nativos desta parte do planeta são bárbaros ou semi-bárbaros. Eles não são civilizados. Viveram sempre em guerra, se matando e por isso não estão acostumados a trabalhar, a viver em sociedade, só a guerrear. Nós, brancos, que estamos trabalhando pelo desenvolvimento deste país, deste continente, temos de tomar precauções...”.

Depoimentos bárbaros como este, misturam-se a fotos ridículas, como a de um juiz espiando do lado de fora da janela de uma casa, prancheta na mão, buscando flagrar um casamento inter-racial no momento da relação sexual, já que em 1949, uma das primeiras leis do então novo regime, foi proibir a miscigenação entre pretos e brancos.

Uma certa herança ainda permanece
Mesmo com todas as reformas políticas que hoje garantem ao negro tanto direitos civis fundamentais, como também políticos, a maior parte da população sul-africana ainda é de gente que viveu no regime anterior, que se encerrou só com a eleição de Nelson Mandela, em 1994, mesmo que o processo que levou a queda tenha começado em 1990.

Em 1990, depois da renúncia de Peter Botha, Frederik de Klerk deu inicio a negociações que levaram à libertação de Mandela, após 27 anos de prisão, e a legalização de partidos então na clandestinidade, como o Congresso Nacional Africano, que abriu mão da resistência armada.

Mandela governou o país de 1994 a 1999, mas já em sua gestão, o homem forte era o atual presidente, Thabo Mbeki, que se elegeu em 1999. Em abril de 2004, foi conduzido a um novo mandato que se encerrar em 2009.

Nascido em 1942, ele vem de uma família negra com forte tradição na política. Seu pai, Kovan, foi uma importante liderança no Partido Comunista Sul-Africano, que também ficou na clandestinidade durante o Apartheid. Mbeki foi um dos dirigentes da resistência armada que desencadeou o fim do regime anterior.

Ao se reeleger em 2004, ele se colocou como uma das suas principais metas acabar com qualquer foco de resistência política que ainda guardasse relação com a divisão anterior do país entre os brancos e as outras cores, especialmente os pretos, o que demonstra a relevância que essa questão ainda tem no cenário político local.

O modelo atual
Na África do Sul o regime político é um misto do que entendemos por parlamentarismo e presidencialismo, já que o nome do presidente sai do parlamento, mas a campanha é feita a partir de sua figura. Além disso, ao mesmo tempo o presidente é chefe de Estado e chefe de governo. Outra curiosidade do sistema local é que para formar o ministério o presidente tem permissão para escolher apenas dos ministros que não sejam parlamentares.

O país tem nove províncias, sendo que cada uma tem seu Conselho Executivo liderado por um primeiro-ministro local. Na eleição de 2004, que contou com a alta participação de 76% de eleitores, o CNA obteve maioria absoluta em das 7 das 9 províncias do país. E em aliança com outros partidos menores conseguiu também garantir controle de Western Cape e Kwazulu-Natal, o que o faz ter os nove primeiros-ministros das províncias.

Um dos poucos locais do país onde a CNA tem dificuldades eleitorais é na região do Cabo. A Constituição vigente, além das nove províncias, que são figuras políticas semelhantes ao estados no Brasil, criou três categorias distintas para definir as cidades: as grandes metrópoles, os municípios e os distritos. Existem seis grandes metrópoles: Joanesburgo, Durban, Cidade do Cabo, Tshwane (ex-Pretória), East Rand e Port Elizabeth. São 231 municípios e 47 distritos. Desde a primeira eleição a CNA não consegue eleger o governante da região metropolitana da Cidade do Cabo. A explicação dos analistas locais é a de que mesmo tendo muitos negros, como todas as outras cidades do país, Cape Town tem uma grande população mulata, que curiosamente se sente mais representada nos partidos liderados por brancos.

Na última eleição, a candidata da Aliança Democrática prevalece sobre a candidatura do CNA por apenas dois votos no parlamento. Acredita-se que esse fenômeno isolado não permaneça numa próxima eleição, já que o partido do presidente do país tem aumentado sua votação no local a cada disputa. E isso se explica pelo aumento da população negra na região. Ou seja, voltamos ao começo. A democracia sul-africana ainda parece ter muitos anos determinados pela diferença da cor de pele.


A economia da África do Sul explica o Soweto de ontem e hoje

da África do Sul [4/1/2007]

Impossível entender a África do Sul e seu atual processo político sem tentar compreender o Soweto. Durante o apartheid, tudo foi feito para isolar os negros da minoria branca. A solução encontrada na maior cidade do país, Joanesburgo, foi criar uma área que fica a uns 30 minutos de carro do centro. O governo branco construiu casinhas de um quarto, sala e cozinha no local e encaminhou as famílias negras que ainda moravam em áreas multirraciais para lá. Mas não lhe deu a posse do terreno, alugava-lhes as moradias.

Para completar o serviço, construiu uma rodovia que cerca a cidade, deixando o Soweto para o lado de fora. Também criou morros artificiais, resultado da exploração de ouro, que geravam tanto uma barreira entre os dois mundos, como também eram utilizados como postos de observação e defesa pela polícia branca.

Hoje a população do Soweto ainda é quase totalmente negra. Sendo apenas uma ou outra das 50 comunidades que se concentram ali formadas majoritariamente por mulatos. Certamente alguns brancos vivem lá, talvez uma centena entre os três milhões de moradores.
A separação entre mulatos e negros também ainda é algo que resiste mesmo após a queda do apartheid. Há uma espécie de recorte que coloca os mulatos no meio da ainda resistente diferença racial que existe na África do Sul. Eles são excluídos pelos dois lados, que entendem que de algum jeito são frutos de uma traição racial. E no apartheid teriam tido um pouco mais de privilégios que os negros, o que os coloca muitas vezes mais próximos politicamente dos partidos que representam os brancos.

Há lugares, como Cidade do Cabo, em que a Democratic Alliance (DA), partido que representa os interesses brancos, tem vencido eleições desde 1994, quando a democracia retornou. E isso é explicado pelo fato de na região a porcentagem de mulatos ser muito alta. Como se aqui a ideologia fosse a da cor da pele. As posições políticas se movimentam a partir desse elemento.

Mas a política fica para o próximo artigo. Ao tratar do Soweto, apresentaremos o que foi possível compreender do atual momento econômico da África do Sul. Até porque talvez esse seja o elemento principal que pode ser extraído da visita que fizemos a esse espaço negro cantado e recantado mundo afora.

Hoje, o Soweto não é mais um amontoado de casinhas populares e uma quantidade imensa de barracos apinhados por todos os cantos. Aquela Soweto que a turma acima dos 35, como eu, tem na memória por conta das imagens do tempo do apartheid mudou. Para muito melhor. E até os brancos racistas reconhecem e tem explicação para o fato.

Richard, vou chamá-lo assim porque não realizei exatamente uma entrevista com ele, o homem do casal proprietário da Guest House localizada no bairro de Linden, onde ficamos, ao saber que estávamos indo visitar o Soweto, disse: “Vão perder tempo, vai ser uma decepção para vocês. Aquilo lá se tornou um lugar parecido com aqui. Tem casa tão boa quanto aqui. Até porque depois que esse novo governo entrou eles ficam com o que tem de bom, não pagam imposto, não pagam luz, ganharam as casas... Tem até branco vagabundo indo morar lá, tamanha a moleza”.

De fato, os moradores de Soweto hoje têm a escritura dos imóveis onde alguns já residem há 50 anos. O primeiro governo do African National Congress, partido de Mandela, regularizou a situação imobiliária do local. E lhes deu a posse das casas onde residiam. Com isso, explica nosso amigo taxista Russell G. Ditlhoiso, as casas melhoraram, mas evidente que ainda está longe de algo comparado aos bairros classe médias de Joanesburgo. “Antes as pessoas não reformavam as moradias, até porque eram obrigadas a pagar aluguel, não tinham trabalho, a educação para quem morava aqui era um lixo, saúde também. Com a libertação, depois de 1994, a gente passou a ter orgulho do bairro, do lugar onde mora, e hoje você vê casas lindas por aqui”. O fato é que o Soweto é o local da região de Joanesburgo onde há maior crescimento econômico hoje.

Ao perguntar sobre o que faziam ali enormes guindastes escavando para uma obra que pela dimensão dos buracos vai ser muito maior do que as construções de similares no Brasil, Russell, cheio de orgulho, disse que ali estava sendo construído o primeiro shopping center do bairro. E que o dono era um negro, de nome Maponha. Talvez não se escreva assim. A sonoridade me levou a crer que esse era o nome do empresário, perdão pela possível imprecisão, leitores.

A resposta da mudança
Existem estudos, inclusive da ONU, que apontam que a desigualdade social aumentou na África do Sul após o fim do apartheid. O Índice de Desenvolvimento Humano do país teria piorado e a diferença econômica entre os 20% mais pobres e os 20% mais ricos, crescido. O atual governo contesta os dados, dizendo que a base de informação utilizada antes ignorava uma enorme parcela da população que não existia nos dados para o oficialismo de então.

Segundo o último censo sul-africano, publicado em 2003 e realizado durante o ano de 2001, a África do Sul tinha então 44.819.778 de habitantes. Sendo que, 79% se auto-classificavam africanos (negros), 9,6% como brancos, 8,9% “coloured” (mulatos) e 2,5% como indianos/asiáticos. Desse total, 21.685.415 do sexo masculino e 23.662.839, feminino.

A política macro-econômica do país não mudou muito desde 1994, continua numa linha neoliberal um pouco mais moderada, mas onde cabem inclusive privatizações como a de empresas de setores estratégicos como aço, petróleo e gás (Iscor e Sasol).

Mas há um enorme esforço para inclusão dos setores mais pobres, fundamentalmente da raça negra, mas não só. O sistema de cotas na África do Sul funciona a partir dos dados censitários. Um estudo recente publicado pelo governo comemorava o fato de que “o serviço público está muito próximo de atingir uma perfeita representatividade, aproximando-se do perfil da população em raça e gênero. Os africanos representam 72% do serviço público, porém deveria haver mais mulheres e mais deficientes em cargos de primeiro escalão. Até março de 2003, 52% dos servidores eram do sexo feminino, mas apenas 22% dos gerentes-seniores eram mulheres.”

O mesmo estudo também confrontava dados sociais de levantamentos realizados em 1996 e 2001. Comparar com antes de 1994, segundo o texto, é impossível porque os dados existentes eram absolutamente distorcidos. As moradias com acesso a água limpa teriam passado de 80% para 85%, com luz elétrica de 57,6% para 69,7%, moradia em habitações formais de 57,5% para 63,8%, sul-africanos com ensino fundamental concluído de 16,3% para 20,4%, por exemplo. Uma transformação de impactos importantes, que vem sendo realizada aos poucos.

Isso não parece ser um problema para a maior parte dos negros daqui. Há um certo orgulho em saber que estão, como se costuma dizer, conseguindo trocar a água do balde, sem jogar fora a criança.

Russell acha que a mudança passa pela educação. “Não adianta a gente querer mudar tudo de uma vez agora que não vai dar certo. A nossa luta tem de ser cerebral, na mudança da mentalidade, na construção de um povo negro mais inteligente e bem informado. Antes só os brancos tinham acesso à boa educação, agora estamos tendo isso aos poucos. Já estamos mudando muito. Eles diziam que a gente não tinha capacidade para nada. E olha só, você vê estradas esburacadas aqui, não, né? Todo mundo que vem aqui diz que nossas estradas são de primeiro mundo, e somos nós, os negros que administramos. Está vendo esse aeroporto?”, aponta para o aeroporto internacional de Joanesburgo, “então, até 1994 ele era menos de 1/3 do que é hoje. E era velho. Hoje é um orgulho”. De fato, é maior e mais moderno que o de Cumbica, em Guarulhos. “E sabe quem reformou, que o modernizou? Fomos nós, os negros, que eles chamavam de bárbaros.”

Ele segue dizendo que outros países preferiram o confronto armado e as mudanças radicais e que hoje estão enfrentando enormes dificuldades. “Passei perto da luta armada, minha vontade era sair matando branco. Em 1994 ainda havia gente que defendia esse movimento, eu mesmo era um. Mas o Mandela nos convenceu a lutar com a cabeça. Ele tinha razão”.

Evidente que não há países africanos tão ricos quanto a África do Sul e por isso as soluções daqui não podem ser aplicadas ali. Para o leitor entender, a África do Sul detém do total de reservas mundiais 88% do grupo de metais da platina, 83% de manganês, 72% de cromo, 40% de ouro e 25% de diamantes. Foi o controle desse enorme riqueza, aliás, que levou ao apartheid. A elite branca não aceitava que os negros tivessem acesso aos benefícios resultantes dela. E o Soweto e a raça negra que pagaram os custos dessa lógica bárbara por muitos anos, hoje são beneficiados por ela. Amém.